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Em entrevista, goleiro Bruno revela o valor da vida de uma mulher no Brasil
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Em recente entrevista, o goleiro Bruno, julgado e condenado pelo assassinato de Eliza Samudio, com quem teve um filho, deixa escapar muito da distopia que vivemos. Vou separar alguns trechos aqui. Disse ele: "O futebol mudou muito. Hoje eles olham para essa questão de imagem, o jogador bad boy não é enxergado como era antigamente, o futebol mudou muita coisa nesse sentido".
"Olham para essa questão de imagem" e "jogador bady boy". Estamos falando de um homem condenado por assassinato. Não há absolutamente nenhuma conexão entre o que ele diz e a realidade. Questão de imagem é, por exemplo, ir a um cassino clandestino na madrugada durante a pandemia. Não é matar, dilacerar e esconder o corpo de uma mulher. E jogador bad boy era aquele que fugia da concentração para ir para a gandaia e no dia seguinte jogava bem. Bad boy não é exatamente assassinar.
Em seguida Bruno diz: "Infelizmente enterraram meu sonho, meus objetivos, minha profissão". Ele usa o verbo "enterrar", e, mesmo considerando a possibilidade de Bruno ser um completo idiota, não é possível usar essa palavra sem colocá-la em contexto. Eliza não pôde sequer ser enterrada porque seu corpo nunca foi encontrado. Todos os que já perderam alguém, seja de morte natural ou de morte violenta, sabem que o ritual de enterrar - ou de cremar - é fundamental para a travessia do luto. A família de Eliza não teve sequer essa chance.
Quem enterrou seu sonho foi você, Bruno. Não há outro responsável pelo seu destino. O começo de uma reforma de caráter se daria por assumir essa realidade incontestável.
Bruno ainda fez um apelo em nome da chance de ser reintegrado à sociedade, de reparar erros. De certo, todos temos essa chance. Mas "erro" não define o que Bruno fez. Seria preciso, para começar um processo de reparação assumir o horror do que ele fez, com a linguagem adequada, com a tristeza merecida, com a indignação necessária - e então, para mostrar que de fato quer se transformar em alguém minimamente decente, ir trabalhar, quem sabe, como assistente social, tentar fazer alguma coisa que envolva a lei Maria da Penha. Isso indicaria que Bruno está realmente interessado em se transformar.
Mas não. Bruno agora trabalha no mercado financeiro - é um trader.
No Brasil, uma mulher é assassinada a cada sete horas apenas por ser mulher. Os crimes são cometidos, em vasta maioria, por maridos, namorados, ficantes, amantes. O feminicídio é uma cultura, uma prática aceita em nossa sociedade. Bruno foi julgado, condenado, cumpriu a pena estabelecida e, ao contrário de Eliza, está livre para viver a vida.
Enquanto isso, continuamos a ser mortas sem que haja muito o que possamos fazer porque aos nossos assassinos o Estado oferece, às vezes, a depender da classe social, uma pena, que nem pesada é. Re-integrados à sociedade, deles nada se cobra, nada se exige e ainda permite-se que fiquem com a imagem de um "bad boy" e de nada além disso.
Mais sobre a entrevista de Bruno aqui.
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