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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Milly Lacombe: Roger Machado, um homem deslocado

Roger Machado está sob pressão no comando do Fluminense - Alexandre Schneider/Getty Images
Roger Machado está sob pressão no comando do Fluminense Imagem: Alexandre Schneider/Getty Images

Colunista do UOL

21/08/2021 12h55

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Roger Machado é um dos mais promissores técnicos do nosso futebol. Fez um trabalho excelente no Grêmio, quando despontou como treinador, montou um time competitivo em 2015, conquistou vaga na Libertadores e no ano seguinte, diante do que foi considerado uma inesperada irregularidade, pediu demissão. Passou pelo Galo e pelo Palmeiras sem ter tido tempo de construir uma base de trabalho. No Bahia, onde ficou por mais de um ano, conquistou um Estadual.

Roger tem 46 anos e, naturalmente, está apenas começando sua carreira como treinador. É um dos poucos treinadores que se identificam como negro no nosso futebol profissional e, ainda mais raro, um homem que se posiciona politicamente alinhado a causas sociais. Ser jovem, negro e de esquerda coloca Roger numa posição singular num ambiente dominado por técnicos brancos que ou não se posicionam ou simpatizam declaradamente com a extrema-direita brasileira, caso de Renato Gaúcho.

Antes de ser campeão pela primeira vez, Cuca era considerado um jovem treinador capaz de montar times competitivos mas que nunca ganhavam títulos. Até que uma hora Cuca venceu e passou a ser visto de uma outra forma. Acho bastante improvável que Roger não se torne um treinador vencedor (como jogador ele já fez sua história, que é uma história de tremendo sucesso). Mas não deve ser fácil ser uma pessoa deslocada nesse ambiente político tão nocivo e perverso.

Muito se fala sobre os times não darem tempo para que o trabalho de uma nova comissão técnica seja efetuado - o Flu depois anunciou que o auxiliar Marcão voltou a ser efetivado. Na sociedade do desempenho e da vitória não há mais paciência para derrotas e irregularidades. O Fluminense quase venceu o Carioca, fez um jogo histórico contra o River, venceu na raça um Fla-Flu jogado no estádio do Corinthians e teve momentos de extrema grandeza ao longo do ano até aqui. Foi um time irregular em alguns momentos, mas não se forma uma equipe competitiva sem trepidações. Não se ganha nada importante sem antes ter perdido muitas coisas ao longo do caminho.

Um clube que tenha uma filosofia de jogo, que coloque em sua cartilha ética uma forma determinada de jogar, uma forma que respeite sua história e personalidade, talvez tivesse mais paciência com o trabalho de um jovem e promissor treinador.

Nosso futebol reflete nossa sociedade e por isso estamos vendo uma elite pequenina ser formada (Atlético, Palmeiras e Flamengo), uma classe média que vai ficar brigando entre si por coisas como Libertadores e Sul-Americana, e uma classe mais empobrecida de times que vai apenas tentar respirar e sobreviver.

A lógica empresarial que infectou todas as dimensões das nossas vidas não deixaria de fora o futebol, claro, mas talvez pudéssemos lutar para que a infecção não fosse tão absurdamente destruidora das paixões e dos afetos. Quem ganha quando o futebol passa a ser exclusivamente um negócio de compra e venda? Alguns poucos empresários e dirigentes. Quem perde? A rapa.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O primeiro trabalho de Roger Machado como técnico não foi no Grêmio, mas no Juventude, passando depois pelo Novo Hamburgo antes de chegar ao Tricolor gaúcho. O erro foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL