Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Milly: Na TV, Neto passa do limite do que seria aceitável tolerar
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As pessoas são complexas. Somos inundados de contradições, de conflitos e de fúrias. Carregamos um passado sobre o qual poucos sabem e, muitas vezes, nem a gente é capaz de entender. Neto, ídolo corintiano, navega entre extremos de erros e acertos como comunicador. Hoje, o erro foi dos maiores.
Enfurecido, disse, enquanto ameaçava abrir a calça, que sabia do que a mãe do treinador Abel Ferreira gostava —em óbvia sugestão ao próprio falo.
A suposta briga era entre dois homens, mas mulheres são sempre chamadas ao palco do ridículo e do obsceno nessas ocasiões. É grotesco sermos reduzidas a nossos órgãos genitais. É grotesco que sejamos sempre colocadas nesse lugar das operárias do sexo. Ainda que haja mulheres que trabalhem nessa indústria, e que precisem ser respeitadas como qualquer outra, reduzir-nos a esse lugar é uma violência.
Existimos enquanto santas (as mães) ou putas, eternamente circulando entre o sagrado e o profano e em mais lugar nenhum. O futebol é o maior dos reservatórios desse machismo e dessa misoginia concentrados. O mundo da masculinidade tóxica não consegue nos colocar em outros lugares: valem apenas esses dois: ou santas, ou putas. E, no interior dessa redução covarde e absoluta, a ofensa máxima passa a ser a de colocar a santa - a mãe do outro, sempre a do outro - no lugar da puta.
Passou da hora de acabarmos com essa dualidade opressora, redutora, violenta. Somos sujeitos em nós mesmos; mães e putas, putas e mães, e o que mais quisermos ser entre um e outro.
Somos comentaristas, narradoras, escritoras, jogadoras, treinadoras. Somos o que bem entendermos. Mas não estamos aqui para ser reduzidas ao sexo e a um suposto desejo pelo falo. Muitas de nós, aliás, nem sequer desejam homens - e mesmo as que desejam já não aguentam mais tanta violência - e é preciso que aqueles que até hoje foram o centro de todas as atenções comecem a se conformar com o fim desse protagonismo. Briguem entre si, exerçam suas masculinidades fragilizadas, mas nos deixem fora dessa palhaçada infantil, tóxica e sem sentido.
Temos sido abusadas aos milhares todos os dias, assassinadas, dilaceradas, violentadas. Esse jogo sórdido e perverso começa com a linguagem. Palavras importam. Ídolos importam. Seria muito bom que Neto viesse a público de desculpar com cada uma de nós. Porque, ao chamar uma mãe que nada tinha a ver com isso para o palco do grotesco e do obsceno, ele nos ofendeu a todas.
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