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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Razões pelas quais o Corinthians deveria afastar Robson Bambu imediatamente

O zagueiro Robson Bambu foi apresentado como reforço no Corinthians - Reprodução/Corinthians TV
O zagueiro Robson Bambu foi apresentado como reforço no Corinthians Imagem: Reprodução/Corinthians TV

Colunista do UOL

03/05/2022 13h53

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O UOL Esporte publicou nessa terça-feira uma entrevista exclusiva com a mulher que acusa o atleta Robson Bambu de estupro. Para quem tem nervos de aço, a leitura é recomendada e necessária. Trata-se de uma entrevista forte, gráfica e perturbadora. Eu li por dever de ofício porque casos de violência sexual funcionam como gatilho - não apenas para mim, mas para todas as mulheres. Em segundos somos levadas às cenas dos abusos pelos quais passamos e revisitá-los não é das coisas mais agradáveis dessa vida.

O atleta acusado de estupro viajou com a delegação do Corinthians para partida da Libertadores e abaixo vou explicar por que ele deveria ser imediatamente mandado de volta para casa.

Denúncias de estupro devem ser levadas muito a sério. Em casos de violência sexual a lei diz que a palavra da vítima vale como prova e não apenas como mais uma denúncia solta. Isso porque, por motivos óbvios, normalmente não há testemunhas nesses casos. Então, diante de prova, ele deveria voltar e ser afastado até que o caso possa ser esclarecido e o jogador então seja reintegrado ou tenha o contrato rompido.

Agir rapidamente faria com que o Corinthians tornasse público o reconhecimento da gravidade das denúncias. Calar, como o clube fez até agora, é ofender sua torcida, especialmente a parte feminina dela, que é imensa.

Mas o que fazer nos casos em que a mulher acusa o cara apenas para se dar bem, poderiam questionar alguns. Pois é. Algum caso como esse vem à sua cabeça?

Acusar alguém de violência sexual é se lançar num abismo sem que haja possibilidade de volta. A vida de quem acusa é transformada em um inferno e as chances de que ela seja transformada em réu não são pequenas. Não faltarão aqueles que dirão que "ela deu mole", "ela tava a fim", "ela queria". A partir do depoimento do estupro, nada disso importa. Sexo exige consentimento. Qualquer coisa fora disso é estupro.

Podemos estar a fim e mudar de ideia, podemos estar a fim e não querer fazer certas coisas, podemos estar a fim, sermos dopadas e não lembrar de nada. Sexo exige consentimento e repetir isso não é demais.

Mas e as acusações falsas? Sim, elas existem. São da ordem de 3%, como explica Amia Srinivasan em seu "O direito ao sexo".

Quem faz essas falsas acusações? Normalmente são homens que acusam falsamente outros homens de terem abusado de uma mulher. Normalmente, homens brancos acusando homens negros de um crime que nunca existiu. Tudo está no livro de Amia. Recomendo leitura.

Mulheres não mentem? Sobre termos sido abusadas, é mais raro, mas, claro, existem casos assim. Só não há registros de uma mulher que tenha se dado bem depois de acusar alguém de estupro.

Se o acusado é um homem branco e rico, chance quase nenhuma de condenação nem de fúria da opinião pública (pense em Cuca). Se for preto - rico ou pobre - chances altas de condenação e de fúria da opinião pública (pense em Robinho).

Se uma mulher branca acusar um homem negro de estupro, boas chances de o caso ganhar destaque. Se uma mulher negra acusar um homem branco e poderoso, o episódio não será motivo de engajamento da opinião pública.

Em todos os casos, a vida da mulher está para sempre alterada. Certamente, diante de condenações, há algum espaço para alívio, mas nós jamais nos recuperamos de um caso de abuso, de assédio, de estupro. A ferida fica aberta e volta a sangrar em diferentes momentos da vida.

É preciso fazer esses recortes de raça e de classe para entendermos como compreender acusações, suspeitas e comprovações de crimes de violência sexual contra mulheres.

Estupro não é sobre sexo. É sobre poder. Estupro é arma de guerra. Um exército que invade território inimigo usa o estupro como arma. Relatos sobre a invasão do Iraque e do Afeganistão são públicos, mas é assim há séculos. O corpo de uma mulher é o corpo inimigo. Violá-lo é marcar poder, é formar a conquista de um território.

Estupro é arma de guerra e é também uma cultura disseminada pelo machismo e pela misoginia. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada dez minutos. Isso levando em conta, claro, as que relatam. Ou seja: o dado é ainda mais pavoroso.

Eu, por exemplo, desconheço uma mulher que não tenha sido sexualmente abusada. E também não conheço quem tenha ido a uma delegacia prestar queixa. É preciso muita coragem para dizer "eu fui estuprada".

Até duas décadas atrás, não havia o conceito de estupro dentro de um casamento. Se o marido quisesse, ele poderia estuprar "sua" mulher e nada aconteceria.

O Corinthians precisaria se manifestar. Nem que fosse para dizer que confia em Bambu e aguarda que o caso seja examinado. Mas, ainda assim, afastar seria a coisa certa a se fazer porque não me parece possível que alguém acusado de alguma coisa tão grave tenha cabeça, espírito e alma para fazer parte de um grupo de futebol durante torneios altamente competitivos. Afastar até para que o jogador possa acompanhar o andamento do caso de forma isolada e privada.

Por todos esses motivos, Robson Bambu deve ser desligado da delegação e afastado dos treinamentos. Até que tudo seja esclarecido, não deveria mais vestir a camisa de um Corinthians que sai por aí pregando um (cada dia mais falso) "respeita as minas". Respeitar as minas é afastar atleta acusado de estupro.