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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Refundar o futebol brasileiro, refundar o Brasil

Meninas guaranis jogam futebol em campo de terra batida em aldeia no Pico do Jaraguá em São Paulo - Fernando Moraes/UOL
Meninas guaranis jogam futebol em campo de terra batida em aldeia no Pico do Jaraguá em São Paulo Imagem: Fernando Moraes/UOL

Colunista do UOL

13/06/2022 13h15

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O Brasil é um projeto de ódio que deu certo, ensina o professor Luiz Antonio Simas.

De fato, só quem não conhece a real história dessa nação pode achar que fomos erguidos em bases de alegria, miscigenação e confraternização.

A notícia do desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, a possibilidade de ambos terem sido executados, é dessas que trazem à tona uma mistura de doses colossais e iguais de tristeza e de ódio.

Estamos entregues à lógica miliciana e seguimos perdendo gente que luta pela preservação da vida nesse planeta: da nossa vida, da vida das florestas e de todos os seres que nelas vivem.

O atual governo tem culpa nessa pulsão de morte que hoje vibra por todos os cantos. O atual governo é o fim de uma linha que está sendo esticada há séculos. É o horror máximo.

Mas não viemos dar aqui da noite para o dia. Do mesmo jeito que o 7x1 não foi um evento isolado na história do futebol brasileiro, do mesmo jeito que ele foi sendo tecido lentamente por anos, Bolsonaro não simplesmente aconteceu em nossas vidas e em nossas mortes da noite para o dia.

Esse país foi, antes de mais nada, um projeto de extorsão econômica. Um latifúndio exportador escravocrata construído sobre sangue dos povos originários. Desde a sua invasão em 1500 está sendo comandado por uma oligarquia interessada na exploração da terra e das pessoas, na destruição da natureza, no lucro e no acúmulo de riqueza.

Nosso futebol reflete essa imagem. Tem no comando essa mesma oligarquia, uma classe de homens brancos interessados em ganhar dinheiro antes e acima de qualquer coisa.

E tem uma classe trabalhadora, os jogadores e as jogadoras, em sua ampla maioria explorada e oprimida; 88% desses trabalhadores da bola ganham até cinco mil reais e 55% da categoria vive com um salário mínimo.

O futebol é um espelho dessa terra sequestrada pelos interesses de uma minoria.

Não é mais aceitável que o corpo diretor de um clube tenha apenas um mesmo tipo de sujeito no comando: homens brancos que muitas vezes falam com a autoridade e a empáfia de um senhor de engenho.

É preciso ter mulheres, pessoas negras, pessoas trans, PCDs, gays e lésbicas.

É preciso ter um verdadeiro extrato do que somos aqui no chão dessa fábrica chamada Brasil.

É preciso mobilizar interesses para além do lucro, do ganho, da compra e da venda. No futebol, na administração pública, nas nossas existências privadas.

Refundar camisa, bandeira, hino. Refundar a partir da raiz, do zero.

Refundar guiados e guiadas pelas luzes dos que, mesmo excluídos, nos deram uma cultura: uma música, uma dança, uma forma de existir, de se relacionar, de sorrir até no precário e, claro, um modo muito nosso de jogar futebol.

Esse país que chamamos de Brasil, e essa seleção que nos representa tão pobremente, são uma ilusão.

Aqui tem um texto precioso de Vladimir Safatle que fala mais sobre essa ilusão e sobre a urgente necessidade de uma refundação. Leiam. Releiam.

Chega de gestão: precisamos de ruptura. Precisamos de insurreição e de uma revolução.