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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como o VAR aumenta a sensação de injustiça e frustração no futebol

Sávio Pereira Sampaio faz consulta ao VAR durante partida entre Internacional e Botafogo no estádio Beira-Rio - Pedro H. Tesch/AGIF
Sávio Pereira Sampaio faz consulta ao VAR durante partida entre Internacional e Botafogo no estádio Beira-Rio Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

Colunista do UOL

20/06/2022 11h09

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A chegada do VAR foi cercada de expectativas de justiça no futebol. Finalmente, acreditaram muitos, o jogo ganharia sua merecida dimensão de igualdade, de isonomia, de equilíbrio. O VAR foi coberto com a roupagem de um Deus.

Mas o VAR não é um Deus, nem mesmo um rei. O VAR são pessoas.

Uma tecnologia operada por aquela personagem futebolística que todos detestam: o juiz. O que poderia dar errado, não é mesmo? Bem, tudo. E é o que temos visto acontecer.

Isso significa que o VAR deva morrer? Não. Significa apenas que, como qualquer outra tecnologia, precisaremos saber como usar o VAR. Um martelo, por exemplo, é uma tecnologia que pode, como diz o linguista Noam Chomsky, destruir um crânio e construir uma casa. O que faremos com ele?

Não estamos sabendo usar o VAR e o que temos testemunhado é uma quantidade absurda de injustiças cometidas por quem o opera: de linhas convenientemente traçadas para justificar o que por algum motivo precisaria ser justificado naquele lance de impedimento até, como ontem no jogo entre Inter e Botafogo, o penalti bizarramente marcado para o time gaúcho.

Some-se a nossa incapacidade de usar adequadamente a tecnologia o fato de estarmos agora ainda mais frustrados e enfurecidos porque, afinal, temos o VAR para resolver nossas vidas e, ainda assim, ele não resolve. Aumento de expectativa leva ao aumento da frustração e da fúria.

E esse ponto é sensível: o VAR não vai acabar com as injustiças.

Pode ajudar a resolver algumas dúvidas, mas não acabará com as injustiças. O olhar humano é enviesado por natureza. Somos inundados de percepções, de julgamentos, de visões que estão sendo construídas desde muito cedo em nossas vidas.

Nosso dever é estarmos atentos e atentas a elas e fazer o que for preciso para desativa-las em determinadas circunstâncias, especialmente nas que envolvem julgamentos. É o máximo que podemos fazer. E também o melhor.

O pior é fingirmos que enviesamentos não existem, pregar a ficção da imparcialidade e da neutralidade feito um juiz lavajatista.

Não falo aqui do árbitro que entra em campo determinado a ferrar um dos lados. Não estamos tratando de coisas da ordem com consciente ou do imoral necessariamente. Falo aqui de tendências muito subjetivas, às vezes até inconscientes, que levam pessoas a tecerem julgamentos e a agirem de um certo modo.

Dependendo do ângulo da câmera, da velocidade da imagem, do ponto em que escolhe-se congelá-la ou traçar as tais linhas, quase toda verdade pode ser justificada. "Foi penalti, vejam!" "Não foi, olha bem!": uma mesma fotografia é capaz de gerar as mais dissonantes visões.

Nem mesmo a maior tecnologia do mundo será capaz de eliminar a ação humana e nossa infinita capacidade de justificar o que queremos ver. O VAR não tem muita culpa a respeito do que está acontecendo; a culpa é do que esperamos que ele fosse fazer com o jogo.

Essa sensação de frustração é diretamente proporcional à expectativa que colocamos no VAR. A culpa não é da máquina, é do que fazemos com a máquina.

Até que reconheçamos essa verdade, a CBF vai trocar comissões, vai seguir fazendo mudanças e adaptações indefinidamente. E a torcedora e o torcedor seguirão frustrados.

Mais do que o VAR, o que precisa ser calibrada é a nossa expectativa em relação às possibilidades de sua participação no futebol.