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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Futebol e violência: é só o começo de uma história que se anuncia trágica

Marcos Leonardo, do Santos, tenta frear ação de torcedor que invadiu a Vila Belmiro para agredir Cássio, do Corinthians - GUILHERME DIONíZIO/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO
Marcos Leonardo, do Santos, tenta frear ação de torcedor que invadiu a Vila Belmiro para agredir Cássio, do Corinthians Imagem: GUILHERME DIONíZIO/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

14/07/2022 11h03

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As imagens de um tresloucado torcedor santista invadindo o campo e partindo para cima de Cassio pelas costas são perturbadoras. Não tanto pelas consequências, porque Cassio reagiu rapidamente e, com uma virada de braço, levou o agressor ao chão.

A perturbação vem da pulsação de violência que estamos todos sentindo aumentar ao nosso redor.

Ela está nas ruas, nas casas, no trabalho, nos estádios.

Seria preciso dar uns passos para trás e tentar compreender o que estamos vivendo para além da tentação de platitudes como "isso não é torcedor, é delinquente".

Sim, há muitos delinquentes que são torcedores. Assim como há delinquentes que são grandes, médios e pequenos empresários, comerciantes, políticos, advogados, juízes... a lista é infinita.

Um país afundado em miséria e desigualdade vai testemunhar o aumento dos índices de violência. Não tem como escapar dessa causalidade por mais que puritanos de todos o cantos continuem com seu mantra de "política e futebol não se misturam".

A violência no futebol foi bastante grande nos anos 90, diminuiu nos anos 2000 e agora volta galopante. Os gráficos da miséria econômica e social acompanham a curva de crescimento da violência nos campos, nas arquibancadas e em dias de jogo.

Quando a miséria diminui, diminui a violência; quando ela aumenta, aumenta a violência. Uma métrica estarrecedora para a turma que quer separar política e futebol.

A verdade é que política e futebol não se separam. É tudo uma coisa só.

Do preço das camisas oficiais, passando pelo preço dos ingressos e dos canais de assinatura para que vejamos um jogo, pela situação da classe trabalhadora que se chama jogador profissional (cerca de 10% pode se dizer rica; mais da metade ganha um salário mínimo) até o aumento da fome e do desemprego: está tudo junto e misturado.

O futebol acaba sendo uma perigosa válvula de escape para a masculinidade tóxica tão sagrada aos homens que estão hoje no poder.

Ser macho é ser violento, agressivo, andar armado, partir para a porrada.

Alguns dirão que isso é, inclusive, liberdade de se expressar.

Acreditam de verdade que têm o sagrado direito de expressar seus ódios, seus ressentimentos, seus preconceitos.

São estimulados por discursos feitos pelo presidente da república e seguirão nessa jornada de "fazer justiça com as próprias mãos". Uma justiça que só eles acreditam ser justa.

Vai piorar.

O clima pré-eleitoral vai se intensificar, Bolsonaro seguirá falando atrocidades e chamando sua informal milícia à luta, machos continuarão exalando suas masculinidades tóxicas nas ruas, nas casas, no ambiente de trabalho, nas Igrejas, nos hospitais e nos estádios.

Futebol não existe em um universo suspenso do restante a vida social.

Nossa única rota de saída é encarar a situação de frente, sem negacionismos ou platitudes.

Vai piorar antes de, finalmente, começar a melhorar.