Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Crítica de Abel Ferreira aos jogadores brasileiros soa ofensiva
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Abel Ferreira já disse antes e repetiu depois da eliminação para o São Paulo nesse 14 de julho: tecnicamente, os jogadores brasileiros são, de longe, os melhores com quem ele já trabalhou. Mas, mentalmente, têm que evoluir muito.
"A nível de educação, a nível de formação enquanto homens. Eles, às vezes, não têm noção nenhuma do que estão a fazer", disse o competente e vitorioso treinador.
Como mulher, preciso concordar.
Homens, às vezes, não têm noção nenhuma do que estão fazendo.
Só que eu fiquei com a impressão de que Abel se referia apenas aos homens brasileiros.
Mais exatamente à classe "jogador de futebol".
Aos olhos do treinador português, nossos jovens jogadores não têm muita noção do que fazem fora de campo: com suas vidas sociais, na escolha das amizades, nas situações em que se metem.
Se for esse o caso, precisamos fazer dois recortes nas declarações de Abel: o de nacionalidade e o de classe; esse último porque, no Brasil, a profissão de jogador de futebol está diretamente associada às camadas mais pobres da sociedade.
Tudo isso contextualizado, eu tenderia a concordar com Abel desde que a pertinente crítica fosse feita aos sujeitos homens de forma geral. Ricos, pobres, boleiros, empresários, advogados, médicos, motoristas de aplicativo, comerciantes, políticos.
Se não for assim, a crítica fica com cara de colonizadora, parece feita a partir de um ponto de vista muito elitista, classista, nacionalista.
No Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos, na Índia, na Austrália e em Gana os homens não têm mesmo muita "noção do que estão a fazer".
Limitá-la ao "jogador de futebol brasileiro" é não entender o que se passa no planeta e como a falta de noção do que é ser homem gera violências.
Estima-se que, em todo o mundo, 87.000 mulheres foram vítimas de feminicídios apenas em 2017. São 137 mulheres por dia.
Fora isso, são 650 milhões de meninas e mulheres obrigadas a casar ainda menores de idade.
Todos os anos temos que colocar mais 12 milhões de meninas nessa pavorosa estatística que diz que, a cada dois segundos, uma menina é obrigada a se casar contra a sua vontade.
Mas vamos à Portugal, terra de Abel: Nove em cada dez mulheres portuguesas considera que houve um "aumento na violência física e emocional contra mulheres no seu país" no período da pandemia - número superior à média europeia que é de 77%.
Uma em cada cinco mulheres portuguesas já sofreu de violência física ou sexual por parte de um parceiro.
Entre os dez tipos de crimes violentos mais frequentes em Portugal, o estupro ocupa a sétima posição.
Mas Abel não falava de Portugal.
Ele disse que é o Brasil que carece da formação do homem, que temos que educar o homem.
Nós, mulheres, adoraríamos viver em um mundo de homens educados para entender que ser homem não é ser violento, agressivo, abusivo, opressor, grosseiro, assediador.
Adoraríamos que o conceito de masculinidade envolvesse afetos como sensibilidade, delicadeza, gentileza, solidariedade.
Seria bom demais que esse fosse um entendimento coletivo, que fizesse parte da educação dada aos homens pelos clubes, que estivesse diretamente associada ao trabalho de construção de um jogador profissional.
Se Abel entende que a educação sobre a qual fala é exatamente essa, a de desconstruir os sujeitos homens de sua masculinidade tóxica, eu aplaudo de pé.
Mas se não for isso, suas palavras ressoam colonialistas e ofensivas.
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