Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Corintianas e corintianos, o pior ainda está por vir
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Antes que me chamem de fatalista, preciso dizer que sou acusada por amigas e amigos de ser uma ingênua otimista. Esse é o tamanho do buraco em que o Corinthians se meteu.
A entrevista de Vitor Pereira depois da derrota no Derbi dá pinta do que virou Corinthians: "Você sabe quanto dinheiro eu tenho na conta?", disse quando questionado se estava com medo de perder o emprego.
É a mais perfeita redução de todas as coisas erradas que hoje formam um dos times mais populares do mundo.
Não é uma frase solta, jogada ao acaso.
Não é um deslize. Não é uma mentira. Não é uma desonestidade.
É a realidade.
Quem tem medo de perder o emprego é pobre. E é sobre as costas desse medo que se explora, abusa, oprime.
O medo é o afeto político central. É ele que move o Brasil atual.
Mas voltemos à coletiva de VP.
A despeito da pergunta deselegante, a sinceridade do treinador é reveladora.
Esse Corinthians não aconteceu da noite para o dia.
A declaração arrogante reflete com honestidade o Corinthians atual - e chegar aqui foi uma construção.
Não foquem em VP para compreender o significado do que foi dito.
Alarguem o entendimento e aí sim alguma coisa pode começar a mudar.
Ingresso a 150 reais e faixas fixas na luxuosa arena que ainda não foi quitada com as palavras: Time do povo.
De que povo?
Do povo que tem grana para pagar 150 reais? Ou 300?
Do povo que sai do estádio aos 30 do segundo tempo?
Do povo que acha muito chique ter um banheiro de mármore?
De que povo?
Do povo que aceita que conselheiras sejam vítimas de agressões verbais cometidas pelos mesmos conselheiros de sempre, que seguem com seus poderes e empáfias?
De que povo?
Do povo que acha bacana estádio com luzes apagadas e celulares acesos?
Do povo que acha da hora festa com fogos de artifício para anunciar um espetáculo que nunca vem?
De que povo?
Uma festa barulhenta, fosforescente e decadente porque é a espetacularização do fracasso.
Tudo está errado desde a base.
O Corinthians é uma coisa apenas: a sua torcida. Ele não é nada além disso.
A torcida corintiana, composta pelo trabalhador e pela trabalhadora, deveria ser tratada como majestade.
Deveria ser celebrada, apoiada, engajada.
Deveria começar assim a reconstrução.
Mas não vai.
O Corinthians hoje trabalha para o torcedor que pode consumir. Para o torcedor que pode pagar camisa a 400 reais. Para o que acha que 300 reais tá barato no ingresso porque olha em volta e veja como só tem gente decente.
O que acredita que elitizar é sofisticar, que elitizar é levar paz aos estádios porque, né, quem faz zona é pobre, marginal, gente sem educação. Encarece o ingresso e tudo se resolve.
É o começo do fim.
Assim como foi o sonho megalomaníaco da construção de uma arena luxuosa quando o Pacaembu era mais do que suficiente para os mais altos voos.
O time em campo - desalmado, desanimado, entregue, escondido do jogo - reflete o estado de espírito que vem dos vestiários e das salas de gerenciamento do caos.
Não demora para alguém dizer que a solução é transformar em SAF. Vender. Colocar um gestor. Aí sim. Agora vai. Vamos cobrar pelas bagagens e o preço da passagem cai. Basta esperar. Tenham paciência. Vamos dar tempo ao tempo. Tem uma operadora gringa gerenciando as coisas. Tudo se resolverá.
É uma questão de tempo para a torcida da SAF começar a dar pitacos. Venda-se. Paguem aí as comissões aos grandes empresários envolvidos na venda, essa gente cheia de boas intenções.
Nada mudará. O time do povo só sobreviverá se for de fato entregue a quem ele pertence: a sua torcida.
Como?, dirão muitos.
De fato, não há formas de pensar em "como" se nossas imaginações foram bloqueadas pelo imperativo moral que são as SAF.
Mas certamente existem maneiras de cooperativizar uma instituição social como o Corinthians: dar poder decisório a mais pessoas em oposição a dar poder decisório a menos pessoas, como fazem as SAF.
Uma diretoria composta por negras e negros, mulheres, LGBTQs, trabalhadores e trabalhadoras.
Um corpo diretor feito de representatividade.
Um estádio com ingressos a preços populares.
Uma instituição e não uma organização que vise dar lucro, pagar dividendos a sócios, acumular riqueza.
Um clube administrado para fazer circular afeto, mobilizar paixão, articular delírios e encontros.
Uma camisa grudada na pele para ajudar nessa batalha diária que é dar algum sentido à vida.
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