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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O dia em que políticos notaram que atacar mulheres publicamente rendia voto

 presidente Jair Bolsonaro durante Comício e motociata realizado na cidade de Belo Horizonte, MG, na tarde desta quarta-feira, 24. - WILLIAN AUGUSTO/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
presidente Jair Bolsonaro durante Comício e motociata realizado na cidade de Belo Horizonte, MG, na tarde desta quarta-feira, 24. Imagem: WILLIAN AUGUSTO/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

14/09/2022 10h38

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Em 2003, no salão verde da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro - até ali apenas uma figurinha sem noção que pouco tempo depois seria popularizada pelo "humorístico" CQC - bateu boca com a deputada Maria do Rosário e, partindo pra cima dela, disse: "Só não te estupro porque você não merece".

Nada aconteceu.

Em 2016, ele repetiu o insulto, agora triplicando a aposta.

Em discurso feito na Câmara do Deputados, em vídeo postado em sua página pessoal no YouTube e em entrevista ao jornal Zero Hora, disse que não estupraria Maria do Rosário pois ela não mereceria.

"Porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece"

Ali, foi sacramentado o caminho a seguir.

Exaltado pelos machos que viam na atitude o cala-boca ideal, Bolsonaro, que de burro não tem nada, pegou a misoginia e o machismo como bandeiras.

Enquanto homens como Ciro Gomes tentam - e nem sempre conseguem - esconder o desprezo que sentem por mulheres, Bolsonaro se orgulha do dele.

Nada aconteceu a Bolsonaro na época em que ele metralhou a frase no peito de Maria do Rosário e, anos depois, apenas um processo caiu em seu colo.

Bolsonaro perdeu um dinheirinho, mas não o mandato.

Deveria ter sido cassado, expurgado, jogado nas valas da política. Mas não foi - muito pelo contrário.

Poucos jornalistas, homens e mulheres, com amplo espaço na mídia saíram em radical defesa à deputada - petista, diga-se.

A frase cometida por Bolsonaro contra Maria do Rosário tem camadas e camadas de violência.

Colocar o estupro na ordem do elogio, do merecimento, é abrir uma nova dimensão para a desumanização de uma pessoa.

Ao dizer isso, ele legitima e autoriza que seus devotos pratiquem violência de gênero.

É do jogo, não dá em nada e ainda faço uma graça com meus amigos.

Anos depois, vimos a mesma lógica ser aplicada nos ataques a Dilma. Outra vez, poucos apontaram a misoginia e o machismo.

Não foi apenas Bolsonaro, que elogiou o torturador de Dilma inúmeras vezes e votou pelo Impeachment declarando todo o seu respeito a Brilhante Ustra, que pegou essa via expressa e sem pedágios chamada machismo. Muitos outros entenderam que a misoginia rendia votos.

E a verdade é que o caminho da misoginia e do machismo ainda dá mais rentabilidade do que prejuízo.

Há os machistas bolsonaristas, mas há os machistas na esquerda também.

Não pega nada escrotizar mulher onde quer que seja, como quer que seja.

Pode ser na rua, no mercado, dentro de casa, na Igreja, nos hospitais, em obituários. Tá valendo. Pega bem com os meus.

Os ataques que as jornalistas estão sofrendo vão aumentar até o fim do ano. O resultado das urnas, qualquer que seja ele, não mudará o cenário.

Os capangas de Bolsonaro já foram comandados e autorizados a nos atacar.

Tivéssemos interrompido isso quando Maria do Rosário foi criminalmente insultada, não estaríamos aqui.

Alguém que diz o que disse Jair Bolsonaro não pode ter vida política.

Com uma pessoa dessas, não tem diálogo - tem o expurgo.