Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Prestar solidariedade a Vera Magalhães envolve visitar um passado recente
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Vera Magalhães virou alvo da violência Bolsonarista. Não são lobos solitários que investem contra o corpo e a dignidade da jornalista. São agentes bem orientados por um tipo de lógica de morte que há mais de quatro anos controla esse país em todos os níveis.
O Bolsonarismo precisa da violência de gênero como um vampiro precisa de sangue. Esse é um dos pilares que estruturam a sociedade que bolsonaristas querem erguer.
Bolsonaro tem, mais do que um plano de governo, um projeto de sociedade.
Nessa sociedade bolsonarista, homens andam armados, mulheres se curvam. Homens mandam, mulheres obedecem.
Nesse projeto de sociedade, florestas viram pó, corrupção tá liberada (chamam rachadinha que é para não assustar), pessoas negras não apitam muito, LGBTQs podem morrer porque não fazem falta.
Nessa sociedade, a lógica é miliciana do começo ao fim.
Vera Magalhães foi escolhida por essa turma covarde para virar, literal e simbolicamente, o rosto do inimigo.
A experiente jornalista foi, durante os 13 anos de administrações petistas, oposição bastante eloquente. E, ainda assim, seguiu podendo falar abertamente o que pensava de Lula, de Dilma e do PT sem ser agredida.
Também dizia o que achava de Sergio Moro, tão veementemente adorado que chegou a ser chamado por ela de enxadrista.
A Lava Jato nunca teve um olhar mais atento por parte dela, que deixou de ver o enviesamento escancarado da operação. Não precisaríamos da Vaza Jato para notar que alguma coisa errada estava se passando.
Não precisaríamos da Vaza Jato para perceber quem era Sergio Moro. Bastava recorrer ao episódio do Banestado, aliás.
Enquanto Dilma foi alvo da fúria covarde da extrema-direita, Vera calou.
Quando Cora Ronai e Miriam Leitão ridicularizaram a roupa e o andar de Dilma na posse, Vera calou.
Quando a caravana de Lula foi recebida a pauladas no sul do Brasil, Vera disse que pedradas faziam parte da política.
Quando Lula foi ao velório de dona Marisa, Vera debochou e sugeriu que casássemos com alguém que não fosse fazer comício em seu velório.
Quando Manuela D'Avila foi 62 vezes interrompida no Roda Viva, Vera disse que era do jogo e que estava acostumada a atuar em ambientes cheios de homens, indicando que Manuela fazia drama ao reclamar da impossibilidade de concluir um pensamento sequer.
Quando Boulos foi contratado como colunista da Folha, Vera democraticamente sugeriu que ele fosse desligado dado que, segundo ela, Boulos estava associado ao banditismo.
Prestar solidariedade a Vera envolve resgatar como viemos parar aqui. Visitar o passado não é nossa maior qualidade e, justamente por evitarmos a viagem, repetimos e aprofundamos os erros.
Mas só podemos crescer e melhorar se olharmos para o que fizemos e entender como e por que erramos. Isso vale para nossas vidas pessoais e vale para nossa história enquanto sociedade e nação.
Como, afinal, viemos parar nesse lugar de tanta dor e violências?
Viemos parar aqui quando naturalizamos a candidatura de um homem como Jair Bolsonaro e, para não eleger mais o PT, fingimos que ele era parte aceitável da política.
Viemos parar aqui quando, em 2018, entrevistamos Jair Bolsonaro como se ele fosse um candidato absolutamente normal, apenas mais um na disputa.
Viemos parar aqui quando deixamos de nomear a proximidade de Bolsonaro com horrores como o fascismo, o nazismo e o racismo.
Viemos parar aqui quando escolhemos pegar tudo o que o deputado Bolsonaro havia dito e feito e classificar como piada, como deboche, diminuindo a gravidade de sua ideologia.
Viemos parar aqui quando achamos de boa que Bolsonaro votasse pelo afastamento de Dilma tecendo homenagens a um torturador.
Viemos parar aqui quando elevamos Paulo Guedes à categoria de alguém inteligente e preparado.
Viemos parar aqui quando resolvemos dizer que havia uma certa "ala moderada" entre os militares.
Viemos parar aqui quando apoiamos o Impeachment absurdo de uma presidente legitimamente eleita.
Quando elevamos os chiliques de Aécio Neves ao lugar do aceitável.
Quando buscamos de todas as formas legitimar o afastamento de Dilma e fingimos não estar vendo o machismo e a misoginia nos ataques que ela sofria.
Vera Magalhães não poderia estar passando pelo que está passando.
Sua ideologia, suas simpatias políticas e seus afetos não justificam agressões, ataques, abusos, assédios. Apenas um país que já não mais opera democraticamente tolera esse tipo de violência.
Prestar solidariedade a Vera Magalhães exige que refaçamos o caminho até aqui para que ele nunca mais se repita, e para que nenhuma outra mulher tenha que passar pelo que ela está passando.
Que Lula seja eleito para que Vera possa, outra vez, fazer oposição sem ser destruída em sua dignidade e no seu direito de opinar.
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