Topo

Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O delirante pronunciamento de Ciro e a falsa democracia dos debates na TV

Colunista do UOL

26/09/2022 10h36

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Ciro Gomes foi fazer seu pronunciamento à nação escoltado por pessoas sem relevância política e por sua mulher. Não levou a candidata à vice, e não se sabe por que.

De cara fica evidente que ele está convencido de que é a grande vítima hoje no Brasil.

Está a cada dia mais revoltado que pessoas não vejam o que ele vê com cristalina clarividência, que é como Lula e Bolsonaro fizeram mal ao país. Ciro fala assim, igualando os dois.

Sob nenhum aspecto Lula e Bolsonaro são igualáveis. Bolsonaro não se iguala a ninguém.

Ciro falha miseravelmente insistindo nessa simetria grotesca e não será perdoado pelo erro.

Ao se colocar como vítima, Ciro se fragiliza. É evidente que um homem com o poder dele não é vítima de nada nesse país. O discurso soa mimizento e hipócrita.

Derretendo nas pesquisas de intenção de voto, seria hora de reavaliar a estratégia. Mas seguir nessa trilha macho-arrogante-aloprado é mais forte do que ele.

É uma pena porque, no meio de tanta paranoia e desatino, Ciro teria coisas boas a dizer.

Seu discurso sobre entreguismo, desigualdade, dívida pública, taxa de juros, a farta produção de alimentos no Brasil e a indesculpável fome de 33 milhões de pessoas é coerente e necessário.

As críticas que ele faz à administração de Lula são baseadas em ficções delirantes, mas as críticas que faz ao governo Dilma, e a sua guinada neoliberal, são justas.

Só que Ciro está perdido, histriônico e surtado.

Entrou em processo de janainapaschoalização que parece irreversível.

E, mesmo assim, acelera rumo ao penhasco.

No último debate televisivo foi outra vez flagrado afagando Bolsonaro.

Para quem um dia já defendeu o voto em Ciro Gomes, a imagem é lamentável.

Os debates, aliás, não têm acrescentado muita coisa ao momento político e um dos motivos ainda é pouco comentado.

Tudo é feito para que o debate entre candidatos pareça altamente justo e democrático. Regras claras, réplica, tréplica, direito de resposta, jornalistas sérios e renomados fazendo perguntas coerentes e, muitas vezes, delicadas.

Mas o olhar mais atento percebe que o escopo da pauta é todo apontado para a direita. Onde estão os candidatos da esquerda e da extrema esquerda?

São capazes de levar ao debate um padre que não é padre, que tem traço nas intenções de voto, que se coloca na extrema-direita ideológica, que sai pregando fanaticamente contra o aborto, mas não levam as candidatas do PCB nem do PSTU - Sofia Manzano e Vera Lucia, respectivamente.

Levam o candidato do Novo, um partido altamente alinhado ao bolsonarismo e, portanto, de extrema-direita, mas não levam as candidatas alinhadas ao sindicalismo.

Levam Soraya Thronicke, outra candidata cujas bandeiras oscilam entre direita e extrema direita, mas não levam as candidatas alinhadas às pautas da classe trabalhadora.

Tudo é feito para que o pêndulo do debate de ideias oscile entre centro e extrema direita.

Desse modo, sem muito alarde, excluem as esquerdas do tablado.

Com a exclusão, saem as pautas que seriam incômodas aos donos do jogo: taxação de grandes fortunas, jornada de trabalho, direito ao aborto livre e gratuito, reforma agrária etc.

Não se trata necessariamente de advogar por essas agendas, defendê-las, apoiá-las. Se trata de entender que é preciso colocá-las em circulação, deixar que as pessoas que estão vendo o debate saibam que elas existem e que são legítimas.

Só assim poderíamos confrontar suas possibilidades com o desejo dos defensores da manutenção do poder das oligarquias, como Tebet e Felipe D'Ávila, por exemplo.

Dessa forma, estreita-se o campo democrático do debate de ideias.

Do mesmo modo que quando debatíamos reforma da previdência a mídia de massa levava para o centro do debate pessoas que eram a favor e pessoas que eram muito a favor.

Não havia quem fosse contra, não havia quem tivesse tempo para estender na mesa o lado ruim, perverso, racista e machista da reforma como ela estava sendo apresentada.

Economistas chamados eram sempre os mesmos, os ortodoxos, os liberais. Não eram convidadas lideranças sindicais, que, imagino, tivessem muito a dizer sobre a reforma e suas consequências.

Quando, vez ou outra, alguém que não concordasse com a reforma tinha espaço o tempo era curto para apresentar uma ideia que pudesse ser coerente ou mais incisiva.

Esse é um jogo jogado há bastante tempo.

A impressão de equilíbrio no debate de ideias é falsa e injusta.

A pergunta que deveríamos fazer é por que as ideias alinhadas a ideologias de esquerda não são convidadas para o centro do palco.

A quem interessa esse recorte ideológico? Quais interesses estão sendo protegidos quando a pauta é formatada para se movimentar limitadamente do centro para a extrema-direita? Quem ganha com a manipulação do escopo político como se tudo o que existisse a ser debatido estivesse dentro desse espaço?

Pensar sobre isso já seria um bom começo.