Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Em nome de quem você vai votar?
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Em 2018, no exato momento em que a contagem das urnas decretou que Jair Bolsonaro seria o novo presidente do Brasil, eu ajoelhei no chão da sala do apartamento em que morava e, com a cabeça no tapete, chorei.
Chorei um pranto profundo, que de cara me disse que não pararia tão cedo.
Sozinha, abri a câmera do celular e comecei uma live.
Eu não tinha o que dizer, mas precisava falar.
Um vizinho tocava o hino nacional em volume máximo e gritava "mito!", outras vozes berravam coisas que eu não entendia.
Na live, entre lágrimas, eu disse que seriam quatro anos de horror, extermínios e destruição e expliquei que por isso chorava.
Não era difícil prever que muitos de nós seriam exterminados. Bolsonaro nunca escondeu seus desejos e o que o movia. Também nunca pareceu demonstrar que o poder o acalmaria - muito pelo contrário.
Por isso, naquele domingo tão triste, eu chorei.
Eu ainda não sabia que um vírus nos arrebataria e que o então eleito presidente usaria a pandemia para dar mais vazão a sua pulsão de morte: fez o vírus virar arma biológica contra aqueles mesmos que o elegeram.
O fascismo, esse regime cujas características Jair Bolsonaro preenche de forma técnica e precisa e que estava ali para quem quisesse ver, e é isso: um desejo inescapável de morte e de destruição.
É o sistema que cria ou aproveita as oportunidades para destruir tudo o que não é espelho.
Assim foi feito durante quatro longos anos.
Mas, ao que tudo indica, nesse domingo 2 de outubro poderemos encerrar o pesadelo e nos livrar de Bolsonaro.
Em nome de quem votar depois de tanta dor e desespero?
Em nome dos que já não estão aqui, votarei amanhã.
Nesse encontro solitário com a urna, naqueles minutos em que encaramos a tela e nosso exercício de poder democrático, eu direi em voz alta o nome de Paulo Gustavo.
Direi também o nome de dona Marisa, vítima precoce da fúria de uma operação judicial autoritária e tendenciosa que inaugurou o espaço necessário para que todo esse horror se instalasse.
Falarei o nome do José dos Santos, trabalhador que há mais de 30 anos ganhava a vida vigiando uma rua de IPTU bastante caro nos Jardins, em São Paulo, e morreu de covid.
Posso também falar o nome de Keron Ravach, criança trans assassinada a pauladas no Ceará.
Ou de Milena Massafera, mulher trans morta a facadas em Ribeirão Preto.
Quem sabe ainda tenha tempo de dedicar o voto a alguns guardiões das nossas florestas, como Firmino Guajajara, assassinado em conflito de terras.
Ou de Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, assassinado na terra indígena Araribóia, na região de Bom Jesus das Selvas, no Maranhão.
Ao professor André Luiz Pedra, de 45 anos, que morreu de covid-19 menos de um mês depois de perder o irmão, Alan Kardec Preda, de 48, para a mesma doença, em Goiânia.
Aos 700 mil brasileiros que morreram de uma doença para qual o presidente eleito em 2018 se recusou a comprar vacina a tempo de salvar a vasta maioria.
A Dom Phillips e Bruno Pereira.
A Nelson Sargento, Ismael Ivo, Nicette Bruno, Aldir Blanc, Rodrigo Rodrigues.
Às vítimas das chacinas policial nas favelas e periferias.
A todas as mães solo de nossas periferias.
A toda travesti que diariamente luta por sua vida nesse Brasil bolsonarista.
A toda sapatão, toda bicha, todo trabalhador que foi obrigado a seguir servindo o patronato, levado a acreditar que era uma gripezinha e que, mesmo que não fosse, o governo nada poderia fazer para ajudá-lo a se proteger.
Às mulheres negras e, a bem da verdade, a todas as mulheres, mesmo às bolsonaristas, igualmente vítimas da masculinidade tóxica pregada pelo homem eleito em 2018.
Às 33 milhões de pessoas famintas a aos 125 milhões que não sabem quando farão a próxima refeição.
Nesse domingo, votaremos em nome das pessoas que padecem e das não puderam sobreviver à fúria fascista de um governo autoritário, psicótico, genocida e destruidor.
E, sempre sempre sempre, a Marielle.
Também em seu nome, voltaremos a sonhar com um Brasil que seja justo, alegre, igualitário e livre.
Onde já não haja monumentos que celebram torturadores, racistas, ditadores.
Onde o aborto seja livre e gratuito.
Onde não haja encarceramento em massa, onde ninguém seja preso ou assassinado por causa da cor de sua pele, de seu gênero ou sexualidade.
Um Brasil onde trabalhemos menos e festejemos mais.
Onde armas sejam raras e drogas não sejam motivo para falsas guerras.
Onde o parlamento seja composto por uma metade negra e feminina.
Onde saúde mental seja encarada como problema político e social, onde as florestas permaneçam de pé e as populações originárias possam nos guiar para um novo jeito de existir e nos relacionar com a natureza.
Em nome desse Brasil, votarei no dia 2 de outubro. E você? Vota em nome de quem?
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.