Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Dirigentes mulheres de Flamengo e Palmeiras descem à lama da história
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Muito se pede e se comemora a presença de mulheres em cargos de poder no futebol. Mas a celebração de qualquer mulher apenas por ser mulher não é legítima, não é anti-machista e muito menos feminista.
Angela Landim e Leila Pereira, por exemplo. Diretora e presidente de seus clubes, ambas vão ser citadas pelos livros de história como dirigentes de elencos multi-campeões e também como mulheres abaixo das mais miúdas expectativas de caráter.
São duas representantes do pior que o futebol tem a oferecer.
Duas mulheres que reproduzem a estrutura do futebol da forma violenta como ela está hoje organizada.
Duas mulheres que nada fazem para mudar a organização machista, racista, LGBTfóbica, classista e excludente que o futebol atual é.
Angela, diretora de responsabilidade social do Flamengo, foi às redes depois da vitória de Lula sobre o candidato da extrema-direita e cometeu um post grotesco, violento, xenofóbico, tosco.
O post diz que a eleição foi ganha na parte trabalhadora do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste portanto) e que foi perdida na parte onde se tira férias (o Nordeste).
O post insinua que nordestino é como carrapato que se aproveita do sangue de um boi trabalhador.
A mensagem carrega camadas de delinquência e de preconceito.
Sugerir que o nordestino é vagabundo é coisa de almas pequenas.
Angela acha que quando ela vai ao nordeste e se hospeda num luxuoso resort quem exatamente acorda cedo para servi-la? Quem faz sua cama? Quem cozinha sua comida?
Quem é dono do resort? Quem faz o Nordeste ser o que ele é e quem, aliás, faz o Brasil ser o que ele é? Em termos de cultura, trabalho, alegria? Pra onde gringo gosta de ir quando viaja ao Brasil?
As pessoas mais trabalhadoras que eu conheço são pobres e algumas das mais preguiçosas são extremamente ricas.
A verdadeira riqueza desse país, acumulada nas mãos de poucos, é produzida pela classe trabalhadora esteja ela no Nordeste, no Sudeste, no Sul, no Centro Oeste, no Norte.
A ideia de que há um Brasil que produz e outro que usufrui é uma ficção delirante de uma classe dominante que não se enxerga no espelho.
Se colocar na posição de salvadora da pátria é coisa de gente com distúrbio egoico de imagem.
Depois da repercussão negativa, o marido de Angela, Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, saiu em sua defesa alegando que ela tem o direito de dizer o que pensa.
Vejam aqui escancarada uma das maiores violências do bolsonarismo, que é transformar tudo em opinião. Se é opinião, não tem por que a gente se ofender. "É só minha opinião".
Mas acontece que não são todas as coisas que estão dentro do agitado oceano das opiniões. Racismo não é da ordem da opinião. Xenofobia não é da ordem da opinião.
Sabem por que não? Porque palavras usadas dessas formas podem matar.
O oposto do racismo não é o antirracismo. O antirracismo é apenas o ambiente do natural, do comum, do humano O oposto do racismo é um processo por injúria racial, é a revolta, é a indignação.
Fora tudo isso, esquecer de forma seletiva que boa parte da torcida do Flamengo está no nordeste é de uma burrice tremenda, a nível social e empresarial.
A diretoria desse Flamengo campeoníssimo é inteira composta por apoiadores da extrema-direita que despreza direitos humanos.
Nada mais incompatível com o que é o Flamengo, o time da massa, o time das favelas, esse lugar onde Jair Bolsonaro gosta de sugerir que só tem bandido. Faz sentido esse apoio caloroso e público a um presidente tão desumano?
Faz sentido posar ao lado de um homem como Bolsonaro? Faz sentido deixar que ele encoste na taça? Faz sentido colaborar para sua reeleição?
Já Leila Pereira é a dirigente que aceitou receber na tribuna de honra um presidente de extrema-direita cujas ações administrativas foram responsáveis pela morte de pelo menos 400 mil pessoas a mais na pandemia, que diz que estupro é elogio, que mulher é fraquejada e que acha normal pintar um clima com meninas de 14 anos.
Foi ao lado disso que ela se sentou na parte nobre do estádio do time que preside. Mais de uma vez. E sorridente.
Não é possível que tenha escapado a Leila todas essas informações sobre o homem que ela recepcionou com pompa.
Será que há interesses nessa relação que nós desconheçamos? Só isso explicaria o acolhimento público dado a um extremista de direita.
Flamengo e Palmeiras, em fases gloriosas de sua história dentro de campo, se apequenam fora dele em proporção diretamente inversa.
Não é aceitável apoiar candidato de extrema-direita sob nenhum aspecto e já seria abjeto fazer isso em suas vidas pessoais.
Mas Leila e Angela representam duas camisas imensas, vestidas por gente das favelas e das periferias. Usadas com orgulho por pessoas nordestinas inclusive, e elas não poderiam usar essas instituições em trabalhos tão vergonhosos como o que esse afago público a um extremista de direita, que sempre que pode ridiculariza e diminui mulheres e diz coisas como "pintou um clima" entre ele e uma criança, representa.
O apoio institucional a um presidente que será julgado por crimes contra a humanidade, cujo enriquecimento não é compatível com a renda, pai do maior esquema de corrupção que esse país já testemunhou (o Bolsolão), machista, misógino, LGBTfóbico e autor de políticas racistas e classistas é inegociável, incontornável, intolerável.
Trata-se de uma aberração esportiva, social e humanitária. Do que adianta serem mulheres e agirem nutridas do pior da masculinidade opressora e excludente?
Nota
O Palmeiras entrou em contato com a coluna e enviou o seguinte texto que reproduzo na íntegra agora.
"A presidente Leila Pereira esclarece que o Palmeiras é apolítico e, portanto, não se envolve em disputas eleitorais. Faz parte da liturgia do cargo, contudo, relacionar-se institucionalmente com autoridades eleitas de forma democrática - entre elas o presidente da República - que manifestem a intenção de comparecer ao Allianz Parque."
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