Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O estupro como arma de guerra contra os corpos das mulheres Yanomamis
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Estamos apenas começando a finalmente acessar todo o horror e toda a destruição dos últimos quatro anos.
Relatos, dados, imagens e números represados desde 2018 - ou talvez desde 2016 - nos são oferecidos sem cerimônia e sem preocupação de como serão recebidos.
Cada um lida com as imagens que vê e os relatos que ouve do jeito que pode.
Relatos trágicos seguirão chegando: o que se descobriu em território Yanomami é o começo.
Corpos famintos e envenenados pela atuação ilegal de garimpeiros em nossas florestas.
Ilegal, mas protegida por homens poderosos cujos nomes saberemos em breve.
Saques, exploração, usurpação.
Entram, machucam a terra, as pessoas e todos os seres que nela vivem, roubam, matam, ferem, estupram e saem deixando um rastro de devastação a fim de colher seus lucros.
Parte do território Yanomami esteve isolado de cuidados durante o governo Bolsonaro. Remédios não chegavam; denúncias não saíam.
Postos de comunicação foram controlados pelo invasor. O exército brasileiro deu os ombros.
Quem morria, morria uma morte lenta, suja e fedorenta.
Brasileiros esquecidos, corpos matáveis, corpos descartáveis, corpos violáveis.
Bolsonaro nunca negou o que pensa de indígenas. Assim como de gays, de negros e de mulheres.
Não foi acidente, foi planejamento
O discurso é claríssimo desde sempre, mas alguns optaram por deixar isso pra lá "pra acabar de vez com a corrupção em nome da minha família e de Deus".
O Nazismo prometia a mesma coisa: acabar com a corrupção. Proteger a família. Em nome de alguma coisa sagrada, de uma pátria higienizada.
E, assim como em toda a guerra, nessa travada contra corpos e espíritos Yanomamis há os estupros cometidos pelos invasores.
O coletivo de jornalistas Sumaúma - que fala desde o coração da Amazônia - em setembro de 2022 já havia feito matéria a respeito dos regulares relatos de estupro contados pelas mulheres Yanomamis.
"Por que os garimpeiros comem nossas vaginas?", perguntava uma habitante do território à reportagem da Sumaúma.
Relatos de estupros coletivos (que envolvem crianças), de envenenamento seguido de estupro, de muita aniquilação e dominação.
Relatos que mal ecoavam e que, quando ecoavam, eram ignorados.
Nessa guerra contra nossas florestas e povos originários, homens morrem de bala, mulheres morrem de pênis.
O corpo do homem capturado para o trabalho, o da mulher capturado para a violação.
O gozo estridente que exala poder e controle.
Historicamente, toda guerra terminada deixa um rastro de mulheres estupradas.
Estupro é tática de batalha.
É uma das formas usadas para desmoralizar o adversário: diminui e desonra a vítima, a família e a sociedade que está sendo aniquilada. É prêmio dado aos soldados vencedores.
Embora seja usado desde a antiguidade como tática de guerra, só em 1998 o uso do estupro em batalha foi considerado crime contra a humanidade.
E apenas em 2014 o tribunal penal internacional reconheceu o estupro como arma de guerra.
Estupro sempre fala de poder, jamais de sexo. Em qualquer contexto, é sobre dominação, não sobre tesão.
Começaremos agora a saber um pouco mais a respeito das violências sexuais cometidas dentro do território Yanomami.
Jair Bolsonaro e sua turma serão levados a Haia. Serão julgados pelo que fizeram.
Enquanto isso, temos uma nação para construir.
Uma em que as únicas destruições toleráveis deveriam ser a de preconceitos, racismos, machismos, misoginias e a de todo e qualquer monumento que celebre quem os praticou em qualquer época de nossa sangrenta história; de nome de ruas, estradas e cidades a imensas estátuas.
Construir um espaço de memória que seja legítimo, que conte a verdadeira história do Brasil.
E começar a encarar a violência sexual de gênero pelo que ela é: uma arma de guerra usada regularmente, mesmo em tempos de suposta paz, contra corpos femininos.
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