Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como homens podem ser aliados na luta contra a violência de gênero
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As acusações de estupro feitas contra Daniel Alves estão chacoalhando a imprensa esportiva e o meio futebolístico. Jogadores, dirigentes, clubes e CBF são cobrados para se manifestarem, para emitir alguma opinião sobre as graves denúncias.
O que se escuta dessa turma que é capaz de se organizar rapidamente para dizer o que pensa das críticas feitas por Casagrande é, até aqui, silêncio.
É apenas natural imaginar que muitos não dizem nada porque, no passado, já abusaram de mulheres e temem que seus nomes sejam expostos por algumas delas. Melhor deixar passar a maré.
Outros tantos não se manifestam porque, além de já terem feito coisas parecidas, não acham que é errado forçar uma mulher a atos libidinosos. O corpo feminino está pra jogo mesmo e danem-se todas vocês chatas pra caramba que só reclamam de tudo. Única mulher que se salva é a minha mãe.
Mas há aquela parcela que quer colaborar com a luta contra a violência de gênero patriarcal e não sabe muito bem como.
Há muitas formas.
A primeira, claro, é não praticar violência de gênero. Pode parecer óbvio, mas é aspecto tinhoso.
Vejam um exemplo simples: você está na balada, vê uma menina interessante e vai falar com ela. Oferece bebidas, leva para um canto, xaveca, xaveca, xaveca. A menina, já mais alcoolizada, parece não querer exatamente o que você quer. Mas ela talvez queira, você pensa, e dá uma forçada. Ela resiste, mas não com firmeza e você interpreta a falta de contundência como "ah, ela quer sim". Você força um pouco mais.
No final, você pratica atos libidinosos com ela sem saber - ou se importar - se havia consentimento.
Estupro não exige penetração, e é importante saber disso. Qualquer ato libidinoso não consentido pode se enquadrar.
Depois de conseguir o que queria, você se manda.
Essa cena é muito comum. Abusadores não andam por aí com aparência de monstros. Eles são como você.
Então, a primeira coisa a ser feita é entender que a mulher é sujeito pleno.
Não é não e só sim é sim. A mensagem nunca é confusa, você é capaz de saber quando o consentimento é dado e quando, mesmo não tendo sido, você força a barra.
Claro que há aqueles que já erraram e querem ser pessoas melhores. Não é preciso ser leal ao homem que você quer deixar de ser nem ser fiel a erros passados.
Uma segunda coisa a ser feita é se manifestar quando casos como o de Daniel Alves aparecem.
Não é necessário declarar que ele é culpado - coisa que só a justiça espanhola poderá fazer - para se pronunciar contra violência de gênero.
Seria interessante, para começar, ler a farta literatura sobre o tema.
Leiam Paul Preciado, Rebecca Solnit, Virginie Despentes, Françoise Verges, bell hooks, Audre Lorde, Amia Srnivasan.
Aprendam como falsas acusações são raríssimas, como uma mulher é estuprada a cada nove minutos, como a maior parte dos estupros acontece em ambientes familiares, como a maior parte das vítimas é feita de crianças.
Aprendam o que acontece quando uma mulher acusa alguém de estupro, como ela passa a ser julgada, criticada, destroçada.
Aprendam como a chance de condenação é grande se uma mulher branca e rica acusa um homem negro e pobre de estupro e como quase não há condenações quando mulheres negras e periféricas acusam homens brancos e ricos de estupro.
Um homem branco e rico, aliás, só é condenado a cada passagem do cometa Haley pela órbita terrestre.
E uma terceira atitude de aliados é a de chamar a atenção dos colegas e romper com o pacto da masculinidade.
Se vir o amigo na balada assediando, chame sua atenção. Em grupos de mensagem, se pegar um texto objetificando mulher, chama a atenção do colega. Se ouvir na mesa do bar o amigão contando como conseguiu forçar a mulher a transar, explica pra ele por que isso é grotesco.
Não precisa fazer isso publicamente, pode fazer no mano-a-mano.
Quantos de vocês agem assim? Não é fácil, eu sei. Mas a luta vai precisar que tomemos atitudes que não são simples de serem tomadas.
Criticar amigos, criticar ex-jogadores, dirigentes, colegas de bancada, pessoas que você considera legais.
E, por fim, escutem o que dizem as mulheres. Se tiverem coragem, perguntem às mulheres das suas vidas quando elas foram abusadas e com quantos anos.
São atitudes que nos ajudarão a construir um mundo melhor e mais justo. O mesmo machismo que nos mata, aprisiona vocês.
E lembrem-se: estupro não precisa de penetração. Estupro não é sobre sexo, é sobre poder. Estupro não é sobre tesão, é sobre dominação.
Sexo e tesão são coisas maravilhosas que, por princípio, se opõem a todo e qualquer tipo de violência e de opressão.
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