Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O presidente do Banco Central e a perversa naturalização da barbárie social
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Roberto Campos Neto foi ao Roda Viva para se explicar sobre as abusivas taxas de juros praticadas pelo Banco Central. A despeito de não ter conseguido explicar - ou de não ter sido pressionado a fazê-lo - uma passagem da entrevista merece maior destaque.
Um destaque triste, perverso mas também muito eloquente.
Nela, Campos Neto fala sobre o impacto social que criação do PIX teria tido.
Nesse momento, ele dissertava sobre a agenda de tecnologia social do governo anterior.
"Vamos olhar o que o PIX fez com as pessoas. O número de pequenas empresas que foram criadas por causa do PIX", disse antes de contar um caso de vida privada.
"Outro dia eu estava num restaurante e um garoto veio vender um produtinho. Fiquei até um pouco emocionado porque vi que ele estava vendendo e eu não tinha dinheiro e ele disse 'é no PIX, vai no PIX'. E eu falei, 'o PIX ajuda a sua vida?', e ele: 'o PIX mudou a minha vida'. Então a gente que tá no Banco Central às vezes não tem tanta noção de como a gente consegue impactar a vida das pessoas na ponta".
São muitas as camadas de violência contidas nessa passagem. Vamos a elas.
Primeiro: um vendedor de produtinhos não é um empresário como ele sugere com a frase "o número de pequenas empresas que foram criadas por causa do PIX".
Não tem tino empresarial o rapaz que vende produtos nos vagões de metrô para poder comprar o jantar. Quem faz isso está tentando sobreviver.
Depois: a lógica empresarial tão consagrada como a saída para qualquer crise é uma lógica agressiva, violenta, perversa. Não há por que celebrá-la dessa forma e muito menos como associá-la a vendedores ambulantes.
Campos Neto sugere com sua singela história que o menino teve a vida melhorada pelo PIX.
Ele não vê nenhum problema em uma criança estar trabalhando. Isso não o deixa indignado. Ele quer falar do PIX.
Também não incomoda que a criança precise vender produtinhos para viver e que não esteja na escola. Ele nem quis saber se a criança estudava. Não é um assunto. O assunto é o "impacto social" do PIX.
Se o presidente do Banco Central se depara com uma criança trabalhando na rua e só consegue achar que o PIX melhorou a vida dela então esse profissional não serve para a vida pública de uma nação que precisa se resolver socialmente.
O centro da questão para o economista liberal é o PIX; não é o menino obrigado a trabalhar na rua.
Mas vamos supor que o PIX tenha melhorado a vida do garoto que estava vendendo produtinhos. O que isso diz sobre a vida anterior do menino? Não importa para Campos Neto. Nem para a bancada que o entrevistava.
Que haja crianças trabalhando na rua é inaceitável, inadmissível, intolerável. Dane-se o PIX.
Mas não incomoda a liberais que um menino trabalhe na rua porque eles estão convencidos que ambulantes são micro-empreendedores.
É só você se esforçar. Veja o tino empresarial do garotinho! Acorde mais cedo, trabalhe mais, cadastre-se no PIX e se você fizer tudo isso bem direitinho - e sem reclamar - homens como Campos Neto ficarão a cada dia mais ricos e poderosos.
A pergunta que gerou essa resposta absurda foi feita por Vera Magalhães, que pareceu satisfeita com a argumentação de Campos Neto.
A pergunta seguinte não tocou mais nesse assunto e tratou de como o tom mais agressivo de Lula poderia piorar a relação entre Governo e Banco Central.
Nesse momento da entrevista alguém deveria ter interrompido o executivo.
Deveria ter chamado Campos Neto à luz de alguma sensibilidade social.
Explicado a ele por que aquela declaração era perversa, brutal, desumana.
Não foi feito. A bancada parecia bastante contente com o andamento da entrevista.
Essa lógica não nos serve mais. Não serve na economia, não serve no jornalismo.
E especialmente não serve ao encarregado de cuidar da nossa política monetária.
O Banco Central não é independente nem nunca será.
Ele é inter-dependente e seguirá sendo a despeito da tal autonomia dada por lei.
Resta apenas saber a quem ele está servindo. Ao menino que vende produtinhos na rua é que não é.
Quem quiser conferir o trecho em questão, ele começa no minuto 1h16 do programa que pode ser visto aqui.
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