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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sensações e interpretações sobre a carta de Joana Sanz para Daniel Alves

Daniel Alves e a esposa, Joana Sanz celebraram 7 anos de união - Reprodução/Instagram
Daniel Alves e a esposa, Joana Sanz celebraram 7 anos de união Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

15/03/2023 16h31

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Joana Sanz postou uma carta curta para comunicar o que parece ser a separação do casal.

Em um dos trechos ela diz:

"Acredito que vai custar anos da minha vida tirar da minha memória o jeito dele me olhar como se eu fosse a mais incrível do mundo. E, porra, sim, eu sou incrível. Sou incrível porque sou trabalhadora, independente, inteligente, detalhista, carinhosa, divertida, fiel e humana."

Me chama a atenção nesse trecho a necessidade de se perceber como pessoa decente e potente.

Não sei se Joana se identifica como feminista, talvez não, mas esse trecho da carta dialoga diretamente com alguns conceitos dos movimentos feministas.

Toda mulher anda por esse mundo das formas mais inseguras possíveis.

O peso não é o certo, a aparência não é a certa, a idade jamais é certa se aos 10 já somos sexualizadas, aos 40 não servimos nem mais para estudar.

Nossa inteligência é colocada em dúvida, nossa capacidade profissional precisa ser reafirmada todos os dias para as mais diferentes pessoas, nossa coragem é relativizada e nossa voz silenciada na mão forte, com interrupções ou ridicularizações.

Nossos erros - porque todos erram - são erros pelos quais o gênero todo deve pagar.

Uma mulher não dirige mal; todas as mulheres dirigem mal.

Uma mulher não é desequilibrada; todas as mulheres são desequilibradas.

Uma mulher não chora muito; todas as mulheres choram demais.

Uma mulher não fala muito; toda mulher fala demais.

Esse último é meu predileto porque a medida do "falar muito" não é avaliada pelo que uma mulher fala em relação ao que um homem fala (quem não conhece homens que simplesmente não são capaz de parar de falar?), mas sim a séculos de silenciamentos.

Se até ontem não falávamos, qualquer som que saia de nossas bocas parece demasiado.

Quando obtemos algum sucesso é imediata a reação de duvidarmos de nós mesmas - e a isso chamamos de "síndrome da impostora".

As pancadas ficam ainda maiores porque Joana nem Joana mais é; ela é indicada como "a mulher de Daniel Alves". Ou ex-mulher talvez.

Na abertura da Copa do Mundo do Qatar, Iker Casillas entrou em campo com a taça ao lado de uma mulher cujo nome jamais soubemos; era apenas "a mulher ao lado de Casillas".

Joana buscava no ex - que agora responde pelo crime de estupro na Espanha - o olhar que daria a ela a certeza de que é uma mulher incrível.

Buscamos nos outros o que a sociedade não nos dá.

Homens se elogiam o tempo inteiro uns aos outros nas mais prosaicas atividades.

Os elogios direcionados às mulheres dizem respeito à aparência e é isso.

Joana faz o caminho que todas nós fazemos: é preciso que a gente aprenda a reafirmar nossas qualidades porque se não fizermos o mundo ao nosso redor não fará.

Mas não basta apenas isso porque na maior parte das vezes nem nós mesmas acreditamos no que dizemos.

Todos os dias o mundo nos coloca na parede e nos faz duvidar do que temos de melhor. É uma tática de guerra que visa nos manter submissas, silenciadas, reprimidas.

É por isso que uma das ferramentas do feminismo é uma mulher elogiar a outra. Citar outras mulheres. Valorizar o trabalho da colega. Elogiar a inteligência da amiga. Elogiar até a aparência da outra, por que não?

O olhar masculino ainda tem um peso imenso para todas nós, mas aos poucos vamos mudando as bases dessa sociedade tão masculina, violenta e patriarcal.

Espero que Joana encontre paz e confiança para seguir sem caminho.

Espero que esteja cercada de mulheres que possam reafirmar suas qualidades e ampará-la quando necessário.