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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vitor Pereira não está resfriado

Everton Ribeiro, Filipe Luis, Gabigol, Vidal e Marinho iniciam final do Campeonato Carioca entre Flamengo e Fluminense no banco de reservas por opção de Vitor Pereira - Thiago Ribeiro/AGIF
Everton Ribeiro, Filipe Luis, Gabigol, Vidal e Marinho iniciam final do Campeonato Carioca entre Flamengo e Fluminense no banco de reservas por opção de Vitor Pereira Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Colunista do UOL

02/04/2023 12h34

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Antes de começar a falar de Vitor Pereira e do Flamengo talvez fosse necessário explicar o título acima.

Em novembro de 1965, o jovem repórter estadunidense Gay Talese, então com 34 anos, foi incumbido pela revista Esquire de ir a Las Vegas entrevistar Frank Sinatra.

Talese - hoje, aos 91 anos, um dos mais renomados jornalistas literários - não conseguiu fazer com que Sinatra desse a ele uma entrevista.

Pressionado para entregar um texto sobre o cantor, decidiu ir ao bar frequentado por Sinatra, sentou em uma mesa e observou de longe.

Viu Sinatra jogar sinuca, beber e, entre um gole e outro, assoar o nariz.

Sabendo que não alcançaria seu objeto diretamente, falou com dezenas de pessoas que faziam parte do dia a dia de Sinatra para traçar um perfil do artista e compor uma matéria.

Talese então escreveu aquele que viria a se tornar um dos textos mais clássicos e brilhantes do jornalismo literário: "Frank Sinatra está resfriado".

Essa é a história do título emprestado.

Digo essas coisas para avisar que vou falar sobre VP no Flamengo a partir de observações e intuições.

E, claro, sem ter nenhuma pretensão de me comparar a um dois maiores craques do jornalismo literário, ou sequer tentar fazer coisa parecida aqui (aliás, em seu livro "Vida de Escritor" encontrei uma das mais belas narrativas de um nocaute durante luta de boxe).

Seria bom reforçar que, ao contrário do que fez Talese com Sinatra, se querem informações, não é nesse texto que as terão.

Ao texto.

Vitor Pereira tem um plano.

E eu diria que ele começa pela explosão de velhos pactos que reinam na Gávea.

Deixar Gabigol e Everton Ribeiro no banco e entregar a faixa de capitão a Davi Luiz seriam métodos para realizar sua missão.

Acho que poucos duvidam da competência técnica de VP.

Chegou da Europa bem cotado, fez um trabalho decente no Corinthians e, saindo pela porta lateral, se entregou ao Flamengo, especulo eu, já sabendo o que teria pela frente em termos de compactuações entre atletas.

Desde Jesus não houve treinador que conseguisse enfrentar as coalizões estabelecidas pelo elenco.

E muito menos um treinador capaz de ajudar o time a jogar por música outra vez.

Houve, isso sim, treinadores que ou se alinhavam ao pacto do elenco e funcionavam como um tiozão boa praça, ou se opunham e eram eliminados.

Dorival encontrou um espaço entre o "chapa" e o "treinador" e fez seu trabalho com dignidade.

Não era um time que dava espetáculo, mas era um time ruim de ser batido.

Pareciam todos satisfeitos, mas saberíamos no fim de 2022 que a diretoria queria mais.

O sonho pelo futebol jogado por música é mesmo difícil de deixar de ser sonhado - especialmente se isso aconteceu tão recentemente.

VP talvez tenha um plano - a julgar pela quantidade de anotações que faz à beira do campo - e eu diria que ele passa por um "colocar todo mundo em seu lugar".

Se vai dar certo é outro capítulo.

Contra o Fluminense, depois de parecer que ia fracassar, deu certo.

Até o começo do segundo tempo, quando o gol saiu, o que se percebia era uma torcida rubronegra mais disposta a criticar do que vibrar com o que via em campo. De fato, não parecia bom.

Mas o objetivo foi alcançado em noite inspirada de Airton Lucas.

Uma vitória robusta, importante - e justa.

Só que futebol não é apenas o que a gente vê acontecer em campo.

Análises posicionais nunca darão conta de revelar a grandeza do jogo ou de captar a essência do que de fato acontece com aquele time.

Futebol é, antes de mais nada, um sistema de relações humanas.

Como transformar o conjunto de pessoas que fazem um time - do roupeiro aos jogadores passando por fisiologistas, médicos, nutricionistas, interpretadores de estatísticas e desempenho - em um grupo vencedor, eis a questão.

O elenco do Flamengo seria dos sonhos para qualquer time, eu diria, do mundo.

A procura é pelo treinador que fará uma sinfonia tendo tantos artistas ao seu dispor, mas também que será capaz de explodir antigos acordos e parcerias feitas entre jogadores que participaram das conquistas com Jesus.

VP tem um plano e, como vimos nesse sábado, não parece estar resfriado.