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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Entre Roger Machado e a fúria coletiva, Timão faz um pacto com o passado

Colunista do UOL

02/05/2023 06h00

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Passou do ponto, disseram vozes indignadas aos que sugeriam a contratação de Roger Machado como treinador do Corinthians.

Não é porque o último treinador teve passagem pela polícia que precisamos agora trazer um ativista social, diziam furiosos em coro. "Cada coisa em seu lugar."

Não havia explicação para a fúria a não ser as perguntas vazias de esperança do "ganhou o quê?", "deu certo onde?".

Os senhores da razão, homens que são capazes de escalar com incrível rapidez o Corinthians de 1982 ou de acertar a ordem dos gols de falta de Marcelinho em 1998 como se isso fosse certificado de entendimento do jogo, acreditam que Roger não serviria porque, afinal, fez o que no futebol?

Bem, essa pergunta teria descartado Abel no Palmeiras e Diniz de volta ao Flu.

Uma das perguntas mais limitantes do futebol e da vida, sem dúvida.

Pois é.

Roger, nessa cartilha das taças, das conquistas, do vencer, vencer, vencer, ainda não tem mesmo muito como sossegar os senhores da objetividade.

Roger está em começo de carreira nesse cenário competitivo e cheio de imediatismos.

É aluno da escola gaúcha de futebol, um estudioso do "Titismo", alguém que gosta de montar times a partir de um sólido sistema defensivo.

Com a recusa do único nome que era consenso, Roger Machado seria o mais perto que o Corinthians poderia chegar de um jovem Tite.

Mas no Corinthians escolhe-se o técnico ao sabor dos berros nas redes sociais.

Não há preocupação em "como vamos jogar, como vamos existir em campo".

Não existe uma filosofia de jogo.

Sylvinho, VP, Lázaro, Cuca, Luxa. Qual dessas escolas é a corintiana e o que elas têm em comum?

Se o time quer chamar a escola Tite de sua, então insisto: o nome era Roger Machado.

Sua primeira passagem como treinador do Grêmio fez dele uma sensação por algum tempo. Reconhecemos nesse Grêmio um time combativo e taticamente inovador.

No Flu e no Galo, não construiu ambiente favorável, e sua volta ao Grêmio não produziu resultados tão satisfatórios, o que faz sentido dadas serem aquelas as mesmas circunstâncias que acolheram Renato Gaúcho.

Onde cabe um Gaúcho talvez não caiba um Roger mesmo.

Num Brasil que ainda flerta com o fascismo, Roger é acusado de ser ativista social.

Não pega bem nesse país gastar tempo com fracos e oprimidos.

Vão contratar um sociólogo, ecoaram vozes imbecilizadas por aí diante da possibilidade de Roger Machado chegar ao Corinthians.

Se fosse para trazer um acadêmico eu faria campanha por Silvio Almeida, nosso jurista-filósofo-ministro. Corintiano e filho de ex-atleta do clube (salve, Barbosinha). Ou quem sabe Djamila Ribeiro, outra corintiana.

Roger Machado teria sido a escolha sensata. Uma aposta no futuro. Um pacto com a decência e com a escola Tite de jogar bola.

Mas a simples especulação de seu nome causou histeria coletiva.

O presidente do clube, que parece não ser das pessoas mais seguras, recuou e correu para os braços de Vanderlei Luxemburgo.

Como inserir Luxa nesse contexto?

Cara bom de papo, já ganhou muita coisa (o que mantém os senhores da objetividade calmos), é boleiro, entende do riscado, é bom de vestiário (o que talvez tenha pesado contra Roger, que não tem fama de ser um cara de atitudes e contundências nos bastidores).

Atualizou-se? É o que vamos descobrir juntos.

Como o futebol anda por trilhos muito bem fixados no solo, não se cogitou que talvez um dueto Roger-Luxa pudesse funcionar.

Luxa faz tempo vem dando a letra de que quer ser um gerentão e não o treinador à beira do gramado.

Roger e Luxa já trabalharam juntos antes, têm valores parecidos, poderiam formar uma excelente dupla de ataque, talvez fosse um caminho possível.

O que eles têm em comum?

Seria essa a hora em que eu escreveria que Luxa é um homem de esquerda e ativista, mas isso talvez assustasse a ala extremista da torcida ou fizesse os demais berrarem "passou do ponto", o que é curioso numa sociedade que todos os dias passa do ponto contra muitas e muitos de nós.

Luxemburgo não é sobrenome; é nome. Uma homenagem do pai à ativista anarquista Rosa Luxemburgo.

Mas nem os progressistas querem saber dessas coisas de misturar ativismo e futebol. Não importa, berram furiosos.

Como se, para treinar o Corinthians, não importassem esses detalhes.

Importam, eu argumentaria com tranquilidade. Importam muito. Ou deveriam importar.

Então, como não vou revelar que Luxa é um socialista, recomendo apenas que escutem a entrevista que ele deu a Mano Brown no podcast Mano a Mano.

No mais, sorte ao novo treinador. Que seja um reencontro capaz de redimir a todos.