Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O futebol feminino ainda vai te pegar
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Estive ontem na Vila Belmiro para ver Santos e Corinthians pelo Paulistão feminino. Quinta, nove e meia da noite. Catracas liberadas.
Uma chuva forte deu boas-vidas ao encontro enquanto os times se aqueciam no gramado.
Na cabine, eu estava acompanhada de Walter Casagrande. Fomos à Vila para dar nosso depoimento para um documentário que em breve será lançado e sobre o qual falarei em tempo oportuno.
Casão e eu chegamos cedo a Santos e fomos jantar. Andar com ele pelas ruas exige paciência. Casão é parado a cada cinco passos. Querem fotos, querem abraços, querem oferecer afeto. Casão sorri e fala com todo mundo.
Chegamos ao estádio mais charmoso do planeta. Luzes acesas, grama de um verde delicioso e com aspecto de tapete. Entrar em um estádio é colocar os pés em alguma dimensão do sagrado. Eu sinto sempre a mesma coisa ao entrar. Uma mistura de emoção com um desejo (que reprimo) de ajoelhar e levar a cabeça ao chão em sinal de respeito.
Em campo, dois dos melhores times do Brasil, líder e vice-líder do Paulista.
Ainda não tinha visto de perto esse time do Corinthians jogar.
Testemunhar o alvinegro de Arthur Elias em ação é testemunhar futebol em estado puro.
Os movimentos, as triangulações, as linhas, a técnica, os incontáveis recursos táticos. O Santos começou acuado porque o Corinthians se impõe rapidamente na partida. É um elenco absolutamente encaixado.
Os passes saem fáceis, é um time que joga afinado por uma música que, se você prestar atenção, vai ser capaz de escutar.
Elias não estava vendo a mesma coisa que eu. Gesticulava freneticamente, pedia que as jogadoras fizessem coisas diferentes. Eu imagino que haja, claro, como melhorar. Mas o que eu estava vendo parecia bom demais.
O Corinthians massacrou por muitos minutos, meteu bola na trave, exigiu que o sistema defensivo do Santos trabalhasse mas não fez o gol. Então, o time do Santos - que não tem nada de fraco - foi pra cima e o jogo ficou equilibrado.
Teve passe de calcanhar, chutes de longa distância que explodiram na trave, corta-luz, chaleira, lençol, chapéu, tabelas e triangulações. Teve menu completo.
Os dois times têm atletas de técnica muito apurada, mas quero destacar aqui duas que me chamaram a atenção na partida dessa quinta: Jennifer, atacante corintiana de 21 anos, e Yasmin, que é lateral mas que jogou na zaga corintiana. Fora isso, Gabi Portilho, Tamires e Gabi Zanotti são mesmo fora-do-comum.
Acho sempre curioso quando comparam o futebol feminino ao masculino e, nessa comparação, avaliam que o feminino não é intenso.
Como podemos comparar um esporte que tem mais de 100 anos de regulamentações, campeonatos, investimento e apoio a um que começou, historicamente, ontem?
Como comparar um esporte bilionário com um que ainda precisa implorar por ajuda?
Um esporte que tem televisionamento colossal com um que, mesmo tendo vendido direitos de transmissão a uma emissora ainda vê a emissora que comprou decidir que alguns jogos não serão televisionados?
Isso sem falar no preconceito, no machismo, na misoginia, na LGBTfobia que não afetam o masculino e inundam o feminino.
Ainda assim, o futebol das mulheres se impõe.
Se impõe pois arte. Se impõe pois música. Se impõe pois plasticidade, ritmo, poesia.
É preciso uma paixão desmedida para insistir existindo num mundo que todos os dias tenta nos diminuir.
A intensidade do jogo que vimos ontem na Vila, bem de perto, é surpreendente porque em poucos anos o futebol feminino evoluiu em ritmo, técnica e potência de maneira inacreditável.
Se querem comparar ao masculino, comparem ao masculino de 1940, 1950. Essa seria uma comparação menos bizarra, menos injusta.
E, nessa comparação, o feminino ganha de lavada. É muita técnica, muito recurso, muita plasticidade.
A maioria dos que criticam, criticam sem ver.
E muitos dos que veem estranham justamente as coisas que criticam no masculino: não tem correria pra cima do juiz, não tem simulação, não tem deslealdade, não tem mandar dar cartão insistentemente. O jogo corre.
A Vila não estava cheia. Duas mil pessoas aqui e ali. Não é muita gente, verdade.
Mas quem foi viu bem de perto um espetáculo como poucos.
Ao final, um a zero para o Corinthians, que se mantém líder no Paulistão e no Brasileirão.
Jogo encerrado, os times ficaram muito tempo no gramado.
Rivais se abraçavam carinhosamente como se jogassem no mesmo time porque no fundo sabem que é isso mesmo: todas elas jogam no time das mulheres e das pessoas que lutam para que o futebol feminino seja respeitado, celebrado e popularizado.
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