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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para sair do inferno, Corinthians terá que reconstruir o passado

Colunista do UOL

04/07/2023 15h32

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O jogador Luan foi ao motel para fazer, pelo que parece, uma suruba. Suruba não é bagunça, então a primeira recomendação aqui seria conter o impulso moralista. A suruba não é o problema dessa história triste, violenta e descabida.

Vamos ao contexto.

Luan está trabalhando duro para escrever o seu nome como uma das piores contratações da história do clube.

Mas, como sabemos, o jogador não se contratou sozinho.

Houve advogados que elaboraram minutas e contratos, e houve dirigentes que leram, concordaram e assinaram o contrato.

Por causa desse contrato, Luan recebe uma caminhão de dinheiro por mês sem sequer jogar ou estar no departamento médico.

Luan, que um dia foi considerado craque, hoje está sendo chamado de perna de pau. Teria desaprendido a jogar? Não me parece razoável.

Seria então mais sensato imaginar que Luan passou - ou passa - por problemas de algum tipo.

O Corinthians não trabalha com psicólogos do esporte. Avalia que não é preciso.

E então a história de Luan no Corinthians só fez desandar.

Luan foi colocado de lado há algum tempo. Isolado. Empestado. Esquecido.

Luxemburgo, em entrevista recente, disse que a torcida não o queria mais sugerindo que por isso não o escalava.

Jogou para a torcida uma decisão que não pode ser dela.

Se a torcida tivesse esse poder, o atual presidente talvez não estivesse onde está.

A torcida, sabendo que Luan estava no motel (fica aqui o questionamento a respeito de como isso se deu), foi lá e desceu o cacete no Luan. Não está certo se divertir, farrear, enquanto o time está nessa draga sem fim. Ofendeu geral, toma aqui esse murro.

A torcida que fez isso é a Gaviões da Fiel. Não toda, evidentemente. Alguns de seus membros.

A Gaviões deveria, para começar, expulsá-los de pronto e soltar uma nota. Até agora não fez isso.

Essa é a mesma Gaviões que protestou contra Bolsonaro na Pandemia, a mesma que desbloqueou estradas e se colocou do lado correto da história.

A mesma que se alinha a causas sociais desde a sua fundação.

A mesma que ama o time que levou a Democracia para os campos antes que ela chegasse a Brasília, uma história reconhecida no mundo todo.

Não era o Corinthians de títulos internacionais ainda, era o time da Democracia e de uma torcida apaixonada e decente: foi assim que o Corinthians se popularizou internacionalmente.

Mas quem é o Corinthians hoje? O que o Corinthians quer ser?

E a Gaviões, que calou quando Cuca foi contratado mas acha que é do jogo invadir motel para dar surra em jogador, o que ela é hoje?

O medo é uma forma legítima de dominação para a torcida que representa o time do povo?

Não são o medo e a violência as tecnologias usadas pelo poder público para reprimir e criminalizar as organizadas?

Não são esses os aparatos utilizados pelo poder para invadir regularmente favelas e periferias e manter tudo sob controle?

Não é contra esse estado de coisas que a torcida deveria lutar? Vale repetir o que faz o opressor? Vale ir para cima do trabalhador?

Ah, mas o Luan não está jogando nada, parece fazer corpo mole, irrita demasiadamente.

Sim, tudo isso mesmo.

Ainda assim é ele o culpado pelo que está acontecendo? É o elenco? É o treinador?

Quem são os responsáveis?

Quem, aliás, são essas instituições, Corinthians e Gaviões, no contexto atual do futebol?

O que elas querem? A quem estão servindo? Quem representam?

Por que a Gaviões não protesta democratica e publicamente contra a atual administração, essa que contratou Luan, Cuca, Yuri?

Essa mesma que está liquidando o Terrão.

A mesma que coloca o preço dos ingressos nas alturas e trabalha ferozmente para a elitização do "time do povo".

A mesma que faz treino aberto exclusivo para sócio-torcedor.

A mesma que não foi capaz de diminuir a dívida do clube.

A mesma que está mudando para pior a imagem do Corinthians no mundo.

O Corinthians talvez seja rebaixado esse ano. Se acontecer, terá sido por merecimento e planejamento.

Seria preciso uma nova liderança na presidência, desassociada de tudo isso que estamos vendo hoje, de todos os que já passaram por lá, para que o clube começasse a reconstruir seu passado para, dessa forma, poder sonhar com algum futuro.

Vale para a torcida que representa o time do povo. Quem somos nós afinal?

Para sobreviver, o Corinthians vai precisar reconstruir seu passado.