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Opinião

As práticas feudais de um clube de elite em São Paulo

Há alguns dias a coluna de Monica Bergamo revelou o novo código de conduta para babás e motoristas que frequentam - a trabalho, claro - um dos clubes mais caros do Brasil, a Sociedade Harmonia de Tênis, em São Paulo.

Trata-se de um documento de barbárie, um registro dos modos feudais que orientam a administração de lugares reservados aos muito ricos: uma organização de castas no interior da qual servos estão autorizados a frequentar o palácio para fins de trabalho e seguindo uma cartilha comportamental bastante rígida.

Babás, diz o documento, só podem comer em um dos restaurantes quando acompanhadas das crianças ou dos patrões.

"Quando as crianças estiverem em aula ou praticando alguma atividade esportiva, [ as babás]deverão permanecer à espera nos locais designados, não podendo utilizar as dependências de uso exclusivo dos sócios", informa o comunicado.

Babás não são bem vindas, portanto, desacompanhadas.

Nesses casos, deveriam se tornar invisíveis, mas, como não conseguem, então que se dirijam às áreas designadas a elas quando estiverem sem patrões ou patrõezinhos.

Calça legging pode, desde que seja branca e usada com camisa que cubra a bunda. "O uso de legging também é permitido desde que a camiseta branca tenha comprimento próximo ao joelho", diz o comunicado.

Isso porque, obviamente, os sócios não são culpados pelo automático chamamento que é olhar bunda de mulher em calça branca e justa.

Aqui o sistema de dominação de classe se encontra com o sistema de dominação de gênero. São as mulheres as culpadas por eventuais olhares sexualizados sobre suas bundas.

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O documento escancara, sem dizer, que não são apenas as bundas das babás que atraem olhares dos sócios. Nesse ponto, patroas e trabalhadoras estão de um mesmo lado do campo. Mas a separação de classe faz achar que não estão.

Roupas totalmente brancas sempre, diz o documento. Mas isso não é novidade: é assim faz tempo em muitos lugares frequentados pelos muito ricos no Brasil.

Roupas brancas servem para definir quem é babá, quem é classe trabalhadora, quem está ali mas não deveria estar, quem está exatamente em qual ponto da linha hierárquica, que manda e quem obedece. Tudo marcado pela cor da roupa. Você aí de branco: dirija-se às áreas designadas a pessoas da sua espécie.

É de se questionar por que o clube não proíbe como um todo a entrada das babás.

A resposta é imediata: porque, nesse caso, seriam as mães que teriam que sair correndo atrás das crianças e ficariam impossibilitadas de jogarem uma partida de tênis, de se banhar na piscina e de comer suas torradas com abacate.

Outra vez, as mulheres se encontram a despeito da classe: não seriam os homens os responsáveis por sair correndo atrás da prole. Eles poderiam seguir com suas vidas sociais pela área e esportiva do sofisticado estabelecimento.

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O documento revela um sistema positivo operante de castas que cria estruturas para que cada classe permaneça em seu lugar sem possibilidade de mistura.

Quem nasceu para trabalhar e ser descartável que se vire para, em ambientes que não são seus, se tornar invisível. Ou será multado.

É uma lógica feudal.

Uma lógica violenta que ainda pulsa num Brasil que se queria branco e europeu e que, fracassando em seu sonho, se vê obrigado a conviver com pretos e pobres desde que eles os estejam servindo e de formas bastante silenciosa.

Se não estiverem servindo e dizendo sim senhor e sim senhora, bem, que a polícia entre onde moram e saia atirando a esmo porque quem se importa?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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