Milly Lacombe

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O dia em que o morro descer e não for Carnaval

"O dia em que o morro descer e não for carnaval
Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
Na entrada, rajada de fogos pra quem nunca viu
Vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
Guerra civil"

Esse é um trecho do samba "O Dia em que o Morro descer e não for Carnaval", de Wilson das Neves, composto há quase 30 anos.

"O dia em que o morro descer e não for carnaval
Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
E cada uma ala da escola será uma quadrilha
A evolução já vai ser de guerrilha
E a alegoria, um tremendo arsenal"

O adolescente Thiago Menezes, 13 anos, foi assassinado na noite de 6 de Agosto. Mais uma vítima das chacinas protocoladas pelo Estado Brasileiro.

Thiago era estudante, garoto apaixonado por futebol e, como toda criança, cheia de sonhos.

Vai embora do jeito mais violento possível, diante da perplexidade indizível de sua família.

Por que não estamos nas ruas?

Por que aceitamos sem nos deixar afetar tanta violência envelopada com a conveniente embalagem da ficção da guerra às drogas?

Por que seguimos elegendo políticos sanguinários, apoiando sociopatas fantasiados de governadores?

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"O tema do enredo vai ser a cidade partida
No dia em que o couro comer na avenida
Se o morro descer e não for carnaval

"O dia em que o morro descer e não for carnaval
Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
Na entrada, rajada de fogos pra quem nunca viu
Vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
É a guerra civil"

Thiago era uma vida inteira.

Era um jeito de dizer bom dia e eu te amo, mãe.

Um jeito de gritar gol, de abraçar o irmão, de pedir a benção para a tia.

Um jeito de sorrir, de dançar e de vibrar.

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Levaram Thiago daqui.

Em nome de uma guerra falsa, de um teatro político que serve para preservar os grandes traficantes desse país, que vestem terno e gravata, são brancos, andam de helicóptero e não passam nem perto de morros, subúrbios e periferias.

"O dia em que o morro descer e não for carnaval
Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
E cada uma ala da escola será uma quadrilha
A evolução já vai ser de guerrilha
E a alegoria, um tremendo arsenal

"O tema do enredo vai ser a cidade partida
No dia em que o couro comer na avenida
Se o morro descer e não for carnaval"

Não se enganem: O morro vai descer.

Descer para tomar o que também é seu e do qual foi alienado.

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Resta saber qual vai ser o derradeiro tiro de fuzil que fará o morro descer. Pode ser o próximo.

"O povo virá de cortiço, alagado e favela
Mostrando a miséria sobre a passarela
Sem a fantasia que sai no jornal

Vai ser uma única escola, uma só bateria
Quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
Que desfile assim não vai ter nada igual

Não tem órgão oficial, nem governo, nem liga
Nem autoridade que compre essa briga
Ninguém sabe a força desse pessoal"

As coisas demoram a mudar até que elas mudam de uma vez.

As pessoas demoram a se revoltar até que se revoltam de uma vez.

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Seria hora de Lula ir a TV.

Abrir uma transmissão e dizer que esse estado de coisas vai acabar.

Seria hora de convocar os governadores sanguinários e colocá-los em seu lugar.

Lula tem a seu lado um ex-governador sanguinário com quem poderia se aconselhar.

Estamos a minutos do caos e o presidente precisar vir falar diretamente com essa gente que só faz sofrer.

"Melhor é o poder devolver pra esse povo a alegria
Se não todo mundo vai sambar no dia
Em que o morro descer e não for carnaval

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O dia em que o morro descer e não for carnaval
Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
Na entrada, rajada de fogos pra quem nunca viu
Vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
É a guerra civil

O dia em que o morro descer e não for carnaval
Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
E cada uma ala da escola será uma quadrilha
A evolução já vai ser de guerrilha
E a alegoria, um tremendo arsenal"

Não há mais como suportar tanta violência chancelada pelo Estado em favelas e periferias.

Não podemos mais tolerar uma polícia que entra atirando, uma democracia relativa como essa, o estado opressor e vingador.

"O tema do enredo vai ser a cidade partida
No dia em que o couro comer na avenida
Se o morro descer e não for carnaval

O povo virá de cortiço, alagado e favela
Mostrando a miséria sobre a passarela
Sem a fantasia que sai no jornal

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Vai ser uma única escola, uma só bateria
Quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
Que desfile assim não vai ter nada igual

Não tem órgão oficial, nem governo, nem liga
Nem autoridade que compre essa briga
Ninguém sabe a força desse pessoal"

A vida imita a arte quando a arte traduz a vida.

Façam alguma coisa antes que seja tarde demais porque, para muitos de nós, o sol já se pôs e não há mais nada a perder.

O que você seria capaz de fazer em nome de um filho covardemente assassinado? Thiago é apenas mais um nessa lista de milhões. Sobe o som para mestre Wilson das Neves.

"Melhor é o poder devolver pra esse povo a alegria
Se não todo mundo vai sambar no dia
Que o morro descer e não for carnaval"

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Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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