Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Por que tem tanta sapatão no futebol feminino?

Só tem sapatão. Essa frase é ouvida até hoje nos meios mais conservadores quando o assunto é futebol feminino.

De fato, tem muita sapatão. E não há nada de errado com isso.

A história do futebol feminino se confunde com a história da lesbiandade.

Na Copa da Austrália e Nova Zelândia são cerca de 100 atletas aberta e orgulhosamente LGBTQs.

É um número alto e certamente há muitas outras que não podem falar por motivos de segurança, como mulheres que vivem em países onde a homossexualidade é considerada crime ou mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade em países onde a homossexualidade é tratada como desvio.

Na Copa, tem sido comum vermos beijos entre mulheres na torcida, beijo entre jogadoras de um mesmo time, beijo entre rivais, beijo entre profissional e sua namorada na arquibancada. Sobra amor para todo lado.

Alguns acham que deveríamos parar de falar da sexualidade das atletas na Copa. Eu acho o oposto: é hora de falar muito sobre isso. É falando que naturalizaremos.

É só deixando de ser invisível que existiremos plenamente.

Mas por que mesmo tem tanta sapatão no futebol?

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Eu poderia especular motivos, sendo eu mesma uma lésbica que queria ser jogadora profissional.

Acho que passa pelo regime da diferença sexual, que forma homens e mulheres de modo bastante rígido em nossas sociedades. Menino gosta de futebol, menina de boneca. Assim somos socializados e socializadas.

Eu, que nunca me identifiquei integralmente com um ou outro gênero, sempre me encontrei num limbo.

Peitar o mundo em que fui criada para jogar futebol foi tarefa fácil já que eu seria profundamente infeliz se não pudesse jogar bola. Mas não são muitas as mulheres convidadas a gostar de futebol.

Somos encorajadas, desde muito pequenas, a ser mãe (de bonecas), a cozinhar (de mentirinha), lavar e passar (em casinhas fictícias).

As que peitam as regras desse jogo violento são aquelas que se identificam com algumas das coisas inscritas no cardápio da masculinidade, entre elas, também, se apaixonar por mulheres.

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Talvez por isso, o grupo que vai para um campo com uma bola debaixo do braço ainda é bastante sapatão, e seria razoável imaginar que quanto mais o futebol se popularizar entre mulheres, mais heterossexuais serão capazes de amar o jogo.

Até aqui especulei. Falemos agora de fatos.

Não fossem as lésbicas, o futebol feminino não estaria onde está hoje.

Fato.

Foram elas que abriram os campinhos e disseram "daqui não sairemos".

É a elas que temos que render muitos agradecimentos quando falamos de futebol feminino.

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E é graças a elas que mulheres bissexuais e heterossexuais terão a chance de fazer, sem serem julgadas e massacradas pela opinião pública, uma das melhores coisas dessa vida: entrar em uma quadra ou em um campo e correr atrás de um bola.

Termino lembrando que agosto é o mês da visibilidade lésbica e que, todos os dias, resistimos pra sobreviver num mundo que ainda diz que não deveríamos estar aqui.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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