Milly Lacombe

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Contra o massacre, poesia: recurso usado há décadas por artistas palestinos

A poetisa e ativista palestina-canadense Rafeef Ziadah escreveu o texto abaixo em 2011. Pouco depois ela interpretou a obra diante de uma audiência que assistiu à performance com o coração na boca. É arte em estado puro. Recomendo assistir ao vídeo no YouTube depois de ler a poesia. Aqui uma outra versão do poema em audiovisual.

Nós ensinamos vida, senhor
Tradução por Tomaz Amorim Izabel para o blog Tradução Literária

Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado que teve de caber em frases de efeito e limite de palavras.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado que teve de caber em frases de efeito e limite de palavras preenchido o bastante com estatísticas para se contrapor à resposta comedida.
E eu aperfeiçoei meu inglês e aprendi minhas resoluções da ONU.
Mas, mesmo assim, ele me perguntou, Sra. Ziadah, você não acha que tudo estaria resolvido se vocês parassem de ensinar tanto ódio para as suas crianças?
Pausa.
Eu procuro dentro de mim força para permanecer paciente, mas paciência não está na ponta da minha língua enquanto as bombas caem sobre Gaza.
A paciência acabou me escapando.
Pausa. Sorriso.
Nós ensinamos vida, senhor.
Rafeef, lembre-se de sorrir.
Pausa.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós palestinos ensinamos vida depois de eles terem ocupado o último céu.
Nós ensinamos vida depois de eles terem construído suas colônias e paredes de apartheid, depois dos últimos céus.
Nós ensinamos vida, senhor.
Mas hoje, hoje meu corpo foi um massacre televisionado feito para caber em frases de efeito e limite de palavras.
E dê-nos apenas uma história, uma história humana.
Veja, não é político.
Nós só queremos contar para as pessoas sobre você e seu povo então dê-nos uma história humana.
Não use aquela palavra "apartheid" e "ocupação".
Não é político.
Você tem que me ajudar como jornalista a te ajudar a contar sua história que não é uma história política.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado.
Que tal você nos dar uma história de uma mulher em Gaza que precisa de medicação?
Que tal você?
Você tem membros de ossos quebrados o bastante para cobrir o Sol?
Me passe os seus mortos e me dê uma lista com os seus nomes em um limite de mil e duzentas palavras.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado que teve de caber em frases de efeito e limite de palavras e emocione aqueles que são insensíveis a sangue terrorista.
Mas eles sentiram pena.
Sentiram pena pelo gado em Gaza.
Então eu dei a eles resoluções da ONU e estatísticas e nós condenamos e nós lamentamos e nós rejeitamos.
E estes não são dois lados iguais: ocupador e ocupado.
E uma centena de mortos, duas centenas de mortos e mil mortos.
E, neste meio tempo, crime de guerra e massacre, eu descarrego palavras e sorrio "não exótica", "não terrorista".
E eu reconto, eu reconto uma centena de mortos, mil mortos.
Tem alguém aí fora?
Alguém ouvirá?
Eu gostaria de poder lamentar sobre seus corpos.
Eu gostaria simplesmente de poder correr de pés descalços em cada campo de refugiados e segurar cada criança, cobrir seus ouvidos para que elas não tivessem que ouvir o som dos bombardeios pelo resto de suas vidas como eu tenho.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado
E deixe-me te dizer, não há nada que as suas resolução da ONU tenham feito em relação a isto.
E nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito que eu possa apresentar, não importa o quão bom fique meu inglês, nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito vai trazê-los de volta à vida.
Nenhuma frase de efeito vai concertar isto.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós palestinos acordamos a cada manhã e ensinamos ao resto do mundo vida, senhor.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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