Fala elitista de Leila ataca quem sofre preconceito como ela
Leila Pereira está em destaque na nuvem de notícias há semanas. Desde que chamou uma coletiva de imprensa depois da eliminação do Palmeiras na Libertadores, tirando do centro das críticas o premiado Abel Ferreira, a presidente do Palmeiras bateu no peito e disse "é comigo esse negócio". Leila fez o que um dirigente íntegro deveria fazer. Já o conteúdo do que ela disse na coletiva está, obviamente, sujeito a críticas, mas, bom reforçar, o que ela fez chamando a reunião com a imprensa logo depois de um resultado ruim é o que poucos dirigentes fazem.
Desde então, me parece que Leila está sentindo na pele, como talvez nunca tenha percebido, os efeitos do machismo. Críticas pesadas vêm de todos os lados, carregadas em misoginia. Aqui, e contra o tom da fúria, me solidarizo a ela. Leila não foi elogiada quando acertou, mas é agredida em termos indecentes quando erra. Tudo fora de escala e exagerado num Brasil que tem dirigentes como Landim, Braz e Duílio - uma turma que já errou bem mais e jamais recebeu esse volume de ódio em sua direção.
O que não me impede de apontar contradições em Leila onde elas existem.
Minha amiga Alicia Klein escreveu texto excelente sobre como Leila enxerga o machismo apenas onde convém. Sem nenhuma migalha de dúvida, ela está sendo vítima de machismo: ok, isso está claro - ou deveria. Mas a luta contra o machismo envolve muito mais do que berrar "é machismo" assim que a gente o detecta.
Envolve, por exemplo, trabalhar em políticas de inclusão. Envolve entender que a frase "quem não pode pagar R$ 50 para ir ao Allianz Parque, não vai" afeta a população mais pobre e que, nessa população, são as mulheres as que mais sofrem. Envolve compreender as camadas de violência contidas nessa declaração
Existem palmeirenses em cada canto desse país e muitos não podem mesmo pagar cinquenta reais. Eles são menos palmeirenses porque não têm como gastar com ingresso, comprar camisa, adquirir sócio-torcedor? Quantos desses são mulheres?
Klein me chama a atenção para o fato de que não há gratuidade para entrar no Allianz. O que significa dizer que bebês de colo devem pagar. Uma mãe de baixa renda vai pensar em ir? Não vai. Lutar contra o machismo é olhar para essa palmeirense também e trabalhar para incluí-la.
Leila topou encarar as organizadas e alguns de seus privilégios. Há pontos bons nisso. Mas, desde que assumiu seu mandato, o que ela fez pelas mulheres das organizadas? Por que não chamar a ala feminina das TOs, e as torcidas LGBTQs do Palmeiras para conversar? Leila teria aliadas importantes ali na luta contra o machismo.
Como uma empresária de sucesso e liberal, Leila acredita que quem se esforça chega lá. Mas a ficção da meritocracia sufoca especialmente as mulheres, essas que têm que fazer três jornadas de trabalho sem ter com quem compartilhar as tarefas: as da firma, as de casa, as da maternidade.
Uma mulher em situação de máximo poder, como é o caso de Leila, deve trabalhar para quebrar as estruturas da misoginia e do machismo, e não para reforçá-las e criticar o machismo apenas quando ele a alcança. Nomear mulheres para outros cargos de poder seria apenas justo. E Leila não fez isso.
Minhas críticas a Leila giram nesse lugar: o da uberização do futebol e o da falta de entendimento da luta feminista. Critico todos aqueles que enxergam o jogo apenas como negócio e o torcedor apenas como cliente. Futebol não é empresa, é instituição. Não distribuir lucros, precisa fazer circular afetos.
Leila está sentindo na pele a força e a virulência do machismo. É grotesco que ela precise passar por isso. Essa seria uma boa hora para ela se letrar no léxico da luta das mulheres. Nem toda mulher é feminista, mas toda mulher é vítima de machismo.
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