Milly Lacombe

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O futebol já não acolhe aqueles que amam sem pedir nada em troca

Valter Junior tinha dez anos quando viu pelo aparelho de TV da casa dos pais o gol de Washington contra o São Paulo nas quartas de final da Libertadores de 2008. O improvável gol que classificaria o Fluminense para a semi do torneio.

Valter estava na cidade onde nasceu, Cambuí, sul de Minas Gerais. Filho de um corintiano apaixonado, o garoto ficou olhando para o monitor sem saber o que estava sentindo diante daquele gol no finalzinho do jogo. "Subiu um arrepio do meu e até a minha cabeça", ele me contou por telefone. "Foi uma explosão de sentimentos inéditos. Pensando agora, foi uma sensação de me libertar".

Nesse dia, o Fluminense eliminou o São Paulo com esse gol na última bola da partida. E Valter foi capturado nem ele sabe direito pelo que.

Mas, como o pai é corintiano, o garoto manteve em segredo aquela explosão de sensações. Achava que o certo seria seguir o caminho do pai e não ousou dizer em voz alta que tinha se encantado pelo tricolor carioca. "Eu sabia que a chama do Fluminense estava em mim, mas não falava para não chatear meu pai".

Aos 15 anos, Valter teve coragem de dizer o que sentia pelo time das Laranjeiras. Hoje, ele e o pai veem alguns juntos jogos e se zoam mutuamente. Tudo na mais sensata paz.

Só que a paixão de Valter fez dele um solitário pelas bandas do sul de Minas. Não há outros tricolores como ele, Valter mora longe do Maracanã e se contenta vendo seu tricolor pela TV. O maior sonho, ele me contou, é o de conhecer o estádio em que Washington inaugurou sua paixão. E, claro, testemunhar o Fluminense campeão desse torneio que o fisgou e que, em 2008, foi perdido na final.

Valter queria ir ao Maraca assistir ao seu time contra o Boca, mas, como muitos de nós, não tem como pagar pelo ingresso.

Técnico em internet e computadores, entra em fóruns de debate e percebe a revolta da torcida diante da elitização do futebol. Quem pode pagar para ir ver uma final? Cinco mil reais no paralelo? Poucas pessoas podem hoje em dia.

E, para piorar, esse negócio de jogo único faz o estádio ser frequentado por gente que não necessariamente torce para um dos finalistas mas que, tendo poder aquisitivo e podendo viajar, comprou o ingresso com antecedência. Virou um show como outro qualquer. Não demorará e teremos uma final em Las Vegas. É sinal de status possuir ingresso para a final da Libertadores.

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É uma pena que o futebol dê as costas para pessoas como Valter. A potência desse jogo que, em um lance, inaugura paixões inesperadas e arrebata sem pedir licença o coração de um garoto numa cidadezinha de Minas está sendo jogada no lixo.

No sábado, 4 de novembro, Valter vai ver seu Fluminense de longe, como faz desde os 10 anos de idade. Aos 26, está acostumado com a rotina. Mas seria um mundo mais bonito o que conseguisse permitir que Valter fosse ver seu time de perto e pudesse, quem sabe, celebrar o título com o qual sonha desde que era uma criança. Aquele garoto que foi capturado pelo gol no último minuto em 2008, graças ao Flu, nunca vai deixar de existir.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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