Lula, você não tinha o direito de indicar mais um homem ao STF
A pauta identitária, tão criticada pela direita que a cada dia se consolida apenas como extrema-direita, venceu na indicação do novo ministro do STF. Teremos mais um homem heterossexual no tribunal.
Os críticos das pautas identitárias, mobilizados por pensamentos estreitos, acreditam que pauta identitária fala de mulheres, de pessoas negras e de LGBTQs. Não, Brasil. Não é assim que o jurista dança. Qualquer crítica decente e honesta à pauta identitária deveria começar pela mais espaçosa de todas as identidades: a do homem branco heterossexual, essa identidade que se pretende universal e que, por isso, passa por invisível.
Não sei como Flavio Dino se define racialmente, mas sei que é um homem heterossexual e que Lula tampouco acredita estar tomando essa decisão motivado pela identidade de Dino, mas está.
Lula não estaria infectado de identitarismo se tivesse em seu núcleo de conselheiros mulheres negras, pessoas trans, feministas. Lula tem essas pessoas no seu dia-a-dia? Não, não tem. Lula escuta quem antes de tomar decisões como essas? Homens brancos heterossexuais acima dos 60 anos. Lula indica pessoas como ele. Lula não acha importante uma mulher negra no STF. Acha que é frescura. E, como não conhece nenhuma, não pode confiar em nenhuma.
A identidade que controla o mundo nos trouxe até esse lugar pavoroso que nos encontramos. Seria prudente colocar outras pessoas e outras experiências em situação de poder sempre que houver uma oportunidade. Uma mulher negra no STF não apenas julgaria com outro olhar, ela mudaria toda dinâmica do tribunal. Faria afetos circularem de novos modos. Começaria uma pequena e silenciosa revolução.
Sobre a indicação do conservador Paulo Gonet à PGR deixo a crítica a quem ainda tem estômago para lidar com esses absurdos. Flavio Dino pelo menos é homem de base ideológica inclusiva. Gonet, pelo contrário, está na trincheira oposta. Basta dizer que se trata de alguém que é contra cotas, contra aborto, contra qualquer possibilidade de vida decente a quem não preenche a pauta identitária do homem branco heterossexual. Lastimável, indecente, repugnante.
Lula 3 tem sido, sob muitos pontos de vista, uma decepção. Ter vencido Bolsonaro ainda é suficiente para que acordemos todos os dias aliviadas e aliviados, verdade. Lula evitou o pior dos mundos e por isso serei eternamente grata. Mas nos deixar com o ultra conservador Zanin e com mais um homem heterossexual no STF é negligência imperdoável. Lula não tinha esse direito.
Fomos nós, mulheres, pessoas negras e LGBTQs o maior grupo de eleitores em vitória histórica contra o fascismo. Lula está onde está para servir às excluídas, às esquecidas, às oprimidas. Subir a rampa abraçado a minorias políticas para governar com e a favor dos mesmos de sempre é uma forma de estelionato moral e um tapa em nossas caras.
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