Abel Ferreira: o homem, o treinador, o ídolo, o imortal
Seria preciso começar esse texto com uma premissa sem a qual a leitura a seguir não faria sentido: no Brasil nunca houve um treinador como Abel Ferreira. Aos apressados devo esclarecer que falo não apenas da técnica mas da velocidade com que Abel empilhou títulos comandando o Palmeiras.
Tenho poucas dúvidas a respeito de como esse time construído por Abel e sua comissão será inserido na história: a terceira academia. Acredito que não há alternativa a essa verdade.
A diferença para as academias anteriores talvez seja os desafios encontrados ao longo do caminho. Quantas vezes nesses três anos Abel teve que refazer a equipe? Quantas vezes teve que buscar soluções para atletas vendidos ou seriamente lesionados? Quantas vezes teve que inventar novos posicionamentos? Quantos jogadores foi capaz de recuperar técnica, emocional e moralmente?
Os desafios enfrentados por Abel, seria justo dizer, são desafios corriqueiros no nosso acelerado futebol. Mas quem além dele se manteve no auge por três anos mesmo encarando encrenca atrás de encrenca?
Meu amigo Edson Rossi, que ama o Palmeiras acima de todas as coisas, uma vez me disse sobre Abel: esse cara vai ensinar a gente a torcer. Parecia uma previsão deslocada porque estávamos ainda em 2021, mas Edson raramente erra em suas análises e nessa ele estaria certo mais uma vez.
Quando Abel, que já pode ser chamado de um dos maiores ídolos da torcida Palmeirense de todos os tempos, diz em uma coletiva - que pode ou pode não ser sua última - que tem torcedor que não gosta do time mas gosta apenas de ganhar ele está reestruturando as formas pelas quais a palmeirense e o palmeirense torcem. Um pouco a cada dia o espírito "turma do amendoim" vai perdendo espaço.
Nessa coletiva que pode ou não ser sua última à frente do Palmeiras, Abel pareceu bastante verdadeiro sobre seu cansaço. Ele quer ter tempo para poder gastar seu dinheiro, disse. Está certíssimo. Há nessa sociedade desigual aqueles que acumulam riquezas indizíveis e seguem querendo mais sem ter tempo para usufruir ao lado dos que amam.
A riqueza de Abel, ao contrário da da maioria, foi acumulada de forma honesta e íntegra. Vale a pena trabalhar sem parar e perder o dia a dia com as filhas e a mulher? Vale a pena ficar sem ver seus pais por meses e meses? Abel está ponderando e suas reflexões são legítimas. Talvez nem vá para o Qatar; talvez vá apenas descansar à beira do mar em Cascais por um ou dois anos. Ou, quem sabe, o Palmeiras e ele encontrem uma forma de conciliar o calendário maluco do futebol brasileiro e o desejo, que parece ser de ambos, de seguir juntos poupando Abel de algumas viagens.
Se Abel sair, essa terá sido a passagem mais marcante de um treinador por um clube na história do futebol brasileiro. Tivemos Telê e seu São Paulo; tivemos Tite e o Corinthians e alguns outros, verdade, mas não nunca dessa forma rápida, sólida, incontestável, brutal.
O vínculo de Abel com a torcida Palmeirense, arrisco dizer, já superou o de Telê com o São Paulo ou, outro marcante, o de Parreira com o Fluminense.
Analisemos o time de Abel, nome a nome: é um time de craques? É um time de notáveis? Não, não é. Nunca foi desde 2020. É, com todo o respeito, um time de jogadores bons que, com um treinador excepcional, foi levado a jogar no mais alto nível; Abel tirou de seu elenco o máximo que ele poderia dar.
Gostemos ou não, Abel Ferreira já é um dos maiores treinadores que vimos atuar. São feitos incríveis e inacreditáveis em três anos apenas. Como em qualquer relacionamento de respeito, Abel e Palmeiras se transformaram durante o encontro. Nenhum dos dois jamais será o mesmo. Eles não se confirmaram, eles se reinventaram. Seria bacana ver Abel seguir seu trabalho no Palmeiras até para alguém que é anti como eu. O que mais é possível fazer? O tempo, talvez, responda. E uma mistura de medo e curiosidade me invade.
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