Por que Paolla Oliveira sambando atiçou a fúria de tanta gente?
Paolla Oliveira sabe surfar a imensa onda que seu poder erótico gera. Um corpo que ousa se exibir publicamente um pouco fora do padrão de beleza erguido sobre bases desumanas, adoentadas, misóginas e racistas.
Paolla inaugurou o Carnaval de 24 sambando abundantemente e, ao rebolar, mexeu com a emoção de milhões de pessoas. Muitos se deixaram seduzir pela beleza do corpo que se movimenta livre enquanto outros julgaram oportuno libertar seus monstros.
Homens que jamais se aproximarão do padrão de beleza masculino que circula em nossa sociedade, que não conseguem sequer chegar perto de uma mínima diagramação ou rascunho mal feito do que se considera, mesmo que de forma leve, como beleza masculina aceitável, decidiram julgar Paolla. Da onde vem essa autoestima masculina que, mesmo derretida toscamente diante de um espelho, se acha capaz de criticar o corpo de uma mulher?
Homens que certamente sairiam apequenados e tremendo de tesão se encontrassem Paolla no mercado, na feira, no baile, no restaurante, colocaram a carinha no sol para criticar o corpo alheio. Homens que diante do mulherão encolhem ainda mais. Homens que sabem que jamais serão capazes de provocar qualquer tipo de emoção em mulheres como Paolla Oliveira.
A coisificação do corpo feminino é uma estrutura social que passa pela crítica e termina com a morte. Morremos muitas vezes em vida tentando nos adaptar ao padrão criado pelo mundo brochado dos homens. Morremos de fome, de síndromes, de tristezas e da fúria para nos encaixar. Morremos mil mortes quando o obituário diz que a jovem artista lutou contra a balança a vida inteira. Palavras violentas escritas por um homem que esperneou diante das críticas. Achou que era seu direito de nascença deixar ali registrado o julgamento ao corpo de Marilia Mendonça mesmo depois da morte. Não fizeram assim com Jô Soares. Não farão assim com Faustão. Só vale para mulheres.
Se fosse apenas contra alguns homens, a luta seria mais branda. Como o machismo é uma estrutura ele está em todos e em todas nós. O feminismo vem para nomear as violências e nos fazer enxergar.
Enxergar inclusive mulheres que, infectadas de machismo, entram no baile para criticar o corpo umas das outras.
E há, finalmente, uma última camada de críticas; Paolla também é julgada por mulheres que acham estranho a transformação de sua figura pública em nome de uma imagem com menos filtros, menos intervenções, mais corpão, mais liberdade, mais aceitação. Como se não nos fosse permitido mudar de ideia, aprender, crescer. Como se a jaula anteriormente ocupada não pudesse ser superada. Nessa hora, o movimento por uma luta que seja travada para a libertação de todas nós é deslegitimado, o que nos faz achar que talvez não exista saída e sim apenas a possibilidade de pular de jaula em jaula.
Essa crítica malandra, que vem do interior do feminismo e é dirigida a mulheres em vez de se voltar para o babaca misógino que faz e fala coisas intoleráveis, é um atraso para a vida e para o movimento.
Paolla Oliveira, quarentona e gostosona, sambando exuberantemente na cara do machismo me resgata e me enche de confiança. O poder erótico é um superpoder nesse mundo. Saber que a parte que a masculinidade heterossexual mais enaltece em seu corpo é controlada pelas mulheres é um poder tão imenso que todos os dias a sociedade arruma novas formas para regular corpos femininos. Desde a idade média e em todas as instâncias: jurídica, religiosa, administrativa, esportiva, corporativa.
Mulheres como Paolla Oliveira, entregues a transformações e escapando de jaulas antigas, vêm rachando a estrutura misógina que organiza a sociedade e nos ajudam a ver a luz. Tem saída. Tem escape. Obrigada, Paolla. Continue sambando no nariz dessa sociedade careta e covarde.
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