Milly Lacombe

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Por que o vídeo de Natal do Atleti está levando tantos homens às lágrimas

No vídeo vemos um senhor aparentemente perdido em uma rua escura e deserta no que parece ser a véspera do Natal. Um taxista para e vai falar com o senhor solitário. Fica claro que o senhor sofre de algum tipo de demência e o taxista diz que vai levá-lo para casa. No carro, o motorista tenta estabelecer um diálogo, mas nada parece fazer a mente do senhor clicar e ele segue com seu olhar perdido. Até que o assunto é futebol. O passageiro então diz que gosta muito de ver Di Stefano em campo. Percebemos que ele acredita que o craque do Real Madrid, que morreu há dez anos, ainda esteja atuando.

Nessa hora o taxista delicadamente remove do retrovisor a flâmula do Atlético de Madrid, seu time e arquirrival do Real, provavelmente temendo que o desorientado senhor pare de dialogar. Os dois seguem conversando. Eles finalmente conseguem chegar ao destino, onde uma mulher, a filha do passageiro talvez, já os esperava. A mulher, ainda aflita, agradece e se oferece para retribuir a gentileza, mas o taxista recusa. O taxista atleticano e o torcedor do Real então trocam olhares e, sem dizer nada, se despedem. No final lemos na tela: "Por cima de Atleti, estan los valores de Atleti". Acima do Atleti estão os valores do Atleti.

O vídeo é de fato muito bonito e tem arrancado lágrimas daqueles que não costumam chorar publicamente: sujeitos que gostam de dizer que são durões e para quem chorar em público é sinal de fraqueza. Homens são, desde muito cedo, ensinados que assim é. Homem não chora, um ditado que carrega muitas violências em si mesmo.

Mas aí a masculinidade é desafiada por um vídeo altamente sensível envolvendo futebol e tudo vai literalmente por água abaixo. O futebol é a arena dentro da qual homens podem chorar, se abraçar, se beijar, dizer que se amam. É uma das únicas - talvez a única. Fora dali é proibitivo.

Por que o vídeo está comovendo tantos durões? Porque ele trata daquilo que nos une e que, no dia a dia do noticiário futebolístico, é ofuscado: o amor que nutrimos por esse jogo e o embaçamento da sempre bem marcada fronteira da rivalidade.

E o que une tantos machões não é exatamente um escudo como eles talvez gostem de imaginar, mas o jogo. Deixar de lado a rivalidade em nome de conduzir alguém em segurança para sua casa comove porque rompe com a fronteira da inimizade, da raiva, do desprezo pela camisa que chamamos de inimiga. Quando o taxista decide esconder seu amor pelo Atleti para que o senhor possa seguir conversando com ele e se manter lúcido, o amor pelo time em vez de ser diminuído se agiganta na forma dos valores que o sustentam.

Um clube não é o jogador chamado de craque, não é a arrecadação do final da temporada, não é ter sido campeão ou ter sido rebaixado, não é o número de torcedores que ele tem ou deixou de ter. Um clube é os valores que ele representa. Que não são negociáveis. Que não levantam taças. Que não se gabam de serem os mais populares.

É assim que um vídeo de dois minutos e que fala de futebol por menos de dez segundos nos lembra dos motivos pelos quais amamos tanto esse jogo e uma determinada camisa. O futebol é um infinito campo de circulação de afetos. É uma pena que escolhamos limitá-lo a inimizades toscas, a ódios gratuitos e a valores tão miúdos. Parabéns ao Atlético por esse recado tão necessário.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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