O que queremos de um narrador?
Everaldo Marques foi eleito o melhor narrador de 2023 pelo Pesquisão UOL. Considero justíssimo. EV, como Everaldo é chamado, é de fato craque. E não apenas no futebol.
EV narra qualquer esporte com a mesma competência, o que é raríssimo. Narrou com brilhantismo até um programa chatíssimo na Globo: um tal de "Zig Zag Arena", um game show que durou pouco pois bizarro, confuso e sem sentido. EV até que tentou salvar, mas ali não havia muito o que fazer.
A arte de narrar uma partida de futebol nasceu com o rádio. Eu aprendi a amar esse jogo escutando pelo radinho de pilha do meu pai. Até hoje, quando o resultado está difícil, eu desligo a TV e vou para o rádio. Gosto de imaginar livremente o jogo que o radialista cria. Gosto da emoção. Gosto do exagero. Acho que, no rádio, combina.
No rádio, todos os lances precisam ser narrados dado que não estamos vendo a partida. Na TV não precisa ser assim e o narrador pode falar de outras coisas.
Eu acho bastante chato quando o narrador prefere fazer isso a narrar, mas a falação desnecessária é a escola de muitos profissionais. Acho igualmente chato quando o narrador se dá muita importância e sai dando opiniões sobre tudo e todos mesmo tendo dois comentaristas a seu lado. Acho chato o narrador que berra e tenta impor uma emoção exagerada ao jogo. Acho chato o narrador que trata o espectador como um idiota, alguém intelectualmente inferior a ele. E chato, muito chato, o narrador que imita outros e quer ser muito engraçadinho.
EV escapa de todas essas chatices. É técnico, vai na medida do humor popular e inteligente, respeita nossa capacidade de interpretar os lances e conta a história do jogo. É o que queremos de um narrador.
Gosto de outros também. Milton Leite, um gênio da ironia fina, e Luis Felipe Freitas, da Cazé TV, que trata com respeito máximo quem está escutando, é muito bem informado e preparado. Narrou a Copa Feminina com extrema competência e sem cometer deslizes machistas.
Mas e as narradoras?
Gosto a cada dia mais. Elas acabaram de chegar e é visível como se sentem mais à vontade. Não deve ser fácil. O machismo nos bastidores ainda é altíssimo e só elas sabem o que precisam driblar para encarar o microfone se sentindo incluídas. Posso apostar que elas ainda não se sentem.
As forças que atuam para desestabilizá-las, vindas de colegas inclusive, são muitas. Com o tempo, mais seguras e emancipadas, elas criarão estilos próprios, encontrarão novos modelos, novas linguagens, novas abordagens.
O fato é que me dá um orgulho imenso ver como elas seguem se agigantando e naturalizando suas vozes. São pioneiras e estão cavando com as mãos e os pés o túnel da liberdade de outras tantas que as terão como inspiração.
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