Informação importante sobre o caso Cuca: a vítima do estupro está morta
Cuca foi obrigado a abrir algumas pesadas gavetas de seu passado e voltar, pelo menos legal e simbolicamente, à Berna e ao quarto de hotel dentro do qual uma criança foi estuprada.
O barulho do episódio, que chegou ao Brasil com o devido volume apenas três décadas depois, fez o treinador encarar um passado que ele tentava esquecer. Cuca, incomodado com a repercussão, pediu uma revisão da condenação, queria novo julgamento.
Foi apenas nesse momento, com uma outra juíza no caso, que descobrimos que Sandra, a criança estuprada no quarto de hotel em Berna, está morta.
Sandra morreu cerca de 15 anos depois do estupro, não sabemos do que. Morreu antes dos 30, já tendo tentado se matar pouco tempo depois do episódio criminoso em Berna.
A notícia da morte de Sandra deveria chocar, causar surpresa, tristeza, indignação. Mas não. Não causou nada disso. Está ali entre vírgulas. Normal uma criança ser estuprada, entrar em depressão, tentar se matar e morrer - de causas não reveladas - 15 anos depois, aos 28.
O pedido feito pelos advogados de Cuca por um novo julgamento foi negado porque o caso já estava prescrito; parecia evidente, de saída, que um novo julgamento não haveria.
A justiça suíça então, sem olhar o mérito, sem olhar outra vez para os laudos que revelaram, segundo reportagem do GE, que a perícia encontrou sêmen que seria de Cuca no corpo da criança, anulou a condenação do treinador - mas não a dos demais envolvidos. O processo de Cuca foi anulado porque a juíza entendeu que ele não foi legalmente representado na ocasião do julgamento e, assim, não pode contestar todos os indícios, os depoimentos e as provas apresentadas. Me parece justo que assim seja feito. Justo para Cuca. Justo para quem busca se defender de acusações e condenações. Mas e para a menina estuprada?
A história, sob o ponto de vista dela, não muda um tostão com a anulação da condenação de Cuca. Ela esteve no quarto de hotel em Berna. Ela foi estuprada. Ela entrou em depressão depois disso. Ela tentou se matar. Ela está morta.
As novas informações dizem que o caso não foi reaberto também porque o herdeiro de Sandra, a garota estuprada, não quis ser parte. Alguns assumem que herdeiro é filho e já escrevem que "o filho" de Sandra não quis ser parte. Herdeiro não necessariamente é filho, pode ser um irmão ou até o pai ou a mãe de Sandra - e isso precisaria ser apurado.
De qualquer forma, Cuca deve estar aliviado. Pelo menos legalmente. Ele segue sendo um dos únicos que sabem o que aconteceu naquele quarto de hotel, mas agora pode mostrar um documento que diz que sua condenação por envolvimento no estupro de uma adolescente foi anulada.
Mas reforcemos o que não muda com a anulação da condenação de Cuca nessa história macabra: Uma criança foi estuprada. Cuca esteve, segundo ele mesmo, dentro do quarto onde a criança foi estuprada. A criança entrou em depressão e tentou se matar algum tempo depois. A vida de uma pessoa do sexo feminino foi destruída naquele dia. Ela morreria passados 15 anos do estupro.
Já é suficientemente medonho, certo?
Mas há outra coisa que precisamos dizer e que eu venho repetindo em textos e lives desde que o Corinthians o contratou: Cuca não é nem nunca foi um monstro.
Cuca é parte integrante do sistema que organiza homens e mulheres nesse mundo e confere a eles papeis específicos, junto a privilégios e opressões. Muitos dos que berram que Cuca é um monstro já fizeram coisas parecidas. Muitos estão por aí criticando Cuca e praticando abusos, assédios, violências, estupros. Monstruosa é a sociedade que naturaliza o abuso sobre o corpo feminino.
A luta feminista não quer colocar atrás das grades todo o abusador, assediador e estuprador. Sabemos que o punitivismo não vai resolver a questão. A luta pede que a sociedade seja educada e transformada. Que deixe de ser natural prensar a mulher numa balada para roubar um beijo. Que deixe de ser aceitável tirar a camisinha durante o ato sem dizer a ela que você está tirando a camisinha, que deixe de ser corriqueiro que uma mulher seja estuprada a cada oito minutos, normal que três sejam mortas por dia por namorados, maridos, ficantes, amantes, e muitas outras agredidas a cada 24 horas. Queremos uma sociedade dentro da qual homens parem de proteger outros homens diante de abusos. Uma sociedade dentro da qual mulher seja sujeito e não objeto.
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Quero receberCuca teve acesso aos dados, escutou os apelos das mulheres que expuseram o retrato violento da nossa sociedade e agora foi informado de que a garota estuprada naquela tarde em Berna está morta. Cuca alega ser um homem muito católico e deve, portanto, estar destruído com a notícia da morte de Sandra. Seria justo que ele, pela memória daquela criança, entrasse na luta por uma sociedade menos machista.
Cuca, que é pai de três meninas, deve estar interessado em um mundo no qual suas filhas e futuras netas possam viver em paz, com dignidade e em segurança.
Que com a anulação Cuca possa seguir sua vida, que se torne um homem letrado na cartilha do feminismo, que atue de forma a combater o machismo e que crianças, adolescentes e mulheres não sejam mais estupradas em quartos de hotel, ou em qualquer outro lugar, nem em Berna, nem em Nova York, nem em Sidney, nem em Luanda, nem Tel-Aviv, nem em Roma, nem em Doha. Que nenhuma outra criança tenha sua vida destruída pela violência sexual.
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