Milly Lacombe

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Democracia: não se pode perder o que nunca existiu

Muito se fala em democracia: salvar a democracia! Honrar a democracia! Não podemos perder nossa democracia!

Balela.

Democracia nessa terra chamada Brasil nunca houve.

Democracia não é votar. Votar é uma das etapas dos ritos democráticos.

Democracia é muito mais; democracia é conceder direitos e proteção a todos os seus cidadãos a despeito de gênero, cor da pele, sexualidade, código de endereçamento postal.

Não existe democracia parcial: ela é ou não é.

Se existe democracia em Higienópolis mas não em Paraisópolis, bairros paulistanos separados por alguns poucos quilômetros, então não podemos dizer que vivemos sob um regime democrático.

Você tem acesso, sua faxineira não tem. Você não terá sua casa invadida por policiais armados que entrarão atirando porque anunciam que ali moram suspeitos. Sua faxineira pode ter a casa arrombada e devassada por quem deveria protegê-la e nada poderá fazer a respeito.

Seu filho não será colocado no porta malas de um carro da polícia e asfixiado até a morte porque estava andando de moto sem capacete por aí. Genivaldo Santos, corpo periférico, foi. Se isso acontece com um morador de Higienópolis, a cidade para, o Brasil se revolta. A história de Genivaldo já foi esquecida. Coisas da vida. Seguimos.

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Não existe democracia no Brasil - e talvez no mundo. Existe um simulacro.

O que há é uma plutocracia: um grupo pequeno de pessoas muito ricas concentra em si o poder econômico e político. Fazem as leis. Executam as leis sobre aqueles que julgam apropriados em recebê-las. Punem e matam quem acham que devem punir e matar.

Enquanto não revistarmos nosso passado genocida e racista não haverá democracia.

Devolver terra às populações originárias. Reparar populações escravizadas. Educar sobre os horrores do colonialismo. Tirar o poder dos mesmos homens brancos oligárquicos de sempre. Levar em cana militares que trabalharam na - e pela - ditadura. Reforma agrária. Baixar estátuas e toda homenagem pública a tiranos. Mudar nomes de estradas. Cana para quem elogia torturador. Criar um grande museu nacional da memória, como o do Apartheid em Joanesburgo, África do Sul. Recontar nossa história.

Até lá, não poderemos perder o que nunca tivemos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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