Duas considerações sobre o brutal assassinato de Julieta Hernandez
Os detalhes sórdidos do assassinado da artista venezuelana Julieta Hernandez por um casal amazonense chocaram de forma quase unânime o país. O que não foi unânime foi a reação a ele: mulheres, não saiam por aí pedalando livremente. Vocês podem morrer, disseram alguns acreditando honestamente que estavam dando conselhos úteis.
Não, esse não é um conselho útil. Aliás, não é sequer um conselho. É opressão fantasiada de generosidade.
Outros apontam para o machismo e a misoginia refletidos no assassinato.
Eu queria fazer ponderações a essas análises.
A primeira: é muito conveniente que pessoas chamem atenção para os riscos de mulheres sairem por aí pedalando livremente. Melhor que fiquemos em casa. Não inventem, queridas. Vocês não foram feitas para essas aventuras, ainda mais sozinhas. É perigoso. Tem muito predador a solta. Fiquem por perto. Vão ao mercado, à feira, ao shopping, ao cabeleireiro, à academia. Mas não comecem a achar que o mundo é de vocês porque vejam os riscos.
Trata-se da inversão da narrativa. A mesma que nos diz: não se deixe estuprar! e não diz aos homens "não estuprem!". Essa sociedade é boa em inverter as coisas.
Queremos um mundo com mulheres que pedalem livremente e cruzem fronteiras. Parem de nos mandar ficar, não ir, não fazer. Juntem-se à luta pela mudança do mundo, não pela manutenção dos limites impostos a corpos femininos.
A segunda: machismo e misoginia.
Julieta foi assassinada por um casal entorpecido de ciúmes. Uma mulher teria dado o golpe final. Julieta foi assassinada pelos ecos macabros do contrato da monogamia.
E, como lembra a escritora e psicóloga Geni Nuñes em sua conta no Instagram, foi assassinada dentro de uma instituição familiar e seu âmbito privado. Esse é, aliás, o lugar mais perigoso para mulheres e crianças existirem: a casa, o lar, a família. Podem espernear quanto quiserem: temos pesquisas, dados, estudos, provas.
Julieta não estava na estrada, não estava nas ruas, não estava no meio da floresta: estava dentro de um lar.
A monogamia é uma ideologia que muitas violências provoca. E antes de sair por aí xingando muito quem diz isso tente compreender que o contrario da monogamia não é a putaria. Seria preciso uma grande e honesta reflexão sobre as violências que a exigência monogâmica desova sobre corpos femininos e infantis para entendermos qual seria o seu contrário. Estamos prontos para esse debate? Quanto antes, mais vidas salvaremos. Apressem-se.
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