Dani Alves: Começa hoje o julgamento que pode mudar a cara do futebol
Começa nessa segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024, o julgamento de Daniel Alves na Espanha. Acusado de violência sexual, o ex-jogador está detido há mais de um ano de forma provisória. Se condenado, pode ficar até 12 anos na prisão.
Conversei com a advogada Isabela Castro de Castro, presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-SP e Conselheira Estadual da OAB-SP, sobre a importância desse julgamento. Foi por iniciativa da OAB SP que a Federação Paulista formou um comitê da diversidade, orientado para colocar em prática ações que envolvem campanhas publicitárias, estabelecimento de metas e para tornar o ambiente do futebol paulista mais inclusivo, democrático e respeitoso.
"Se um homem como ele pode ser processado e preso, outros também podem", me disse a Dra. Isabela.
Caso seja estabelecida a culpa e haja condenação, começa com esse caso uma profunda mudança no jogo. Acaba a certeza da impunidade, acaba a ignorância sobre o que está em jogo e acaba o pacto da masculinidade que apoia o abusador e silencia diante de episódios como esses. Uma mudança que não acontecerá da noite para o dia, mas que terá o processo contra Daniel Alves como seu ponto de partida.
Dra. Isabela, o que o caso Daniel Alves pode representar para a história da violência praticada contra mulheres?
O caso Daniel Alves é emblemático por seu protagonismo, por ser um homem influente, celebrado pela mídia e com muitos recursos. Se um homem como ele pode ser processado e preso, outros também podem. Infelizmente, muitas mulheres não se sentem confiantes para denunciar porque acreditam que a denúncia não vai dar em nada, especialmente, se o agressor for um "figurão". Nesse caso, o estereótipo está sendo quebrado e isso é muito importante para a conscientização da nossa sociedade sobre a transformação social que vivemos. Mulheres não mais se limitam a corpos desejáveis à disposição dos homens, independentemente de seu interesse e consentimento. É preciso compreender e aceitar que as mulheres têm vontade própria.
Recentemente o governo federal promulgou a lei 14786 conhecida como a lei "não é não". O que muda com a lei e como ela vai ser implementada na prática?
O protocolo "não é não" consolida esse avanço social e esclarece que é ilegal não aceitar os limites impostos pelas mulheres nas festas, shows e casas noturnas. A mulher que está participando de um evento num desses estabelecimentos não está se oferecendo para qualquer um. Esses estabelecimentos precisam estar preparados para prevenir e impedir situações de constrangimento e violência, destacando que os estabelecimentos têm responsabilidade pelos acontecimentos em seu interior. Para implementar a lei é preciso ter ao menos um funcionário capacitado para orientar os demais funcionários e administrar corretamente as situações de crise, para, em especial, proteger, acolher a vítima e afastá-la do agressor, além de isolar a área onde ocorrer eventual violência, entre outras providências. Na prática, é preciso estabelecer um olhar apurado de supervisão e vigilância nos estabelecimentos.
Daniel Alves está preso provisoriamente há quase um ano. Isso significa que o conjunto probatório contra ele é bastante sólido?
Sim. E esse conjunto probatório só foi estabelecido por conta do protocolo espanhol de prevenção e combate à violência contra as Mulheres "No Callem" que foi plenamente observado pelo gerente da boate em que os fatos ocorreram.
O mundo masculino do futebol se mantém em silêncio sobre Daniel Alves. Em que medida esse silêncio prejudica a causa?
É verdade que a agressão não ocorreu no espaço do futebol, mas ela envolve uma estrela internacional do futebol. Então, nos parece que o caso deve servir como alerta e exemplo educativo para os demais jogadores. Os jogadores são ídolos de imensurável torcida e tudo aquilo que eles fazem e falam serve de exemplo para os torcedores. Assim, essa é uma importante oportunidade de letramento social que deveria ser melhor explorada pelo mundo do futebol.
Como deve agir a mulher que, na balada, por exemplo, é sexualmente importunada?
A mulher deve pedir ajuda a um funcionário do estabelecimento e denunciar o agressor. Ela pode acionar o disque 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 190 (Policia Militar). Se decidir deixar o local, pode solicitar a um funcionário do estabelecimento que a acompanhe até o seu carro ou solicitar um outro meio de locomoção. Caso decida permanecer no estabelecimento, pode requerer que o agressor seja mantido afastado de seu campo de visão.
Em casos de violência de gênero, a palavra da mulher tem peso de prova? Por que é assim?
O protocolo de julgamento com perspectiva de gênero editado pelo CNJ Resolução Nº 492 de 17/03/2023 assim estabelece a fls 85: "As declarações da vítima qualificam-se como meio de prova, de inquestionável importância quando se discute violência de gênero, realçada a hipossuficiência processual da ofendida, que se vê silenciada pela impossibilidade de demonstrar que não consentiu com a violência, realçando a pouca credibilidade dada à palavra da mulher vítima, especialmente nos delitos contra a dignidade sexual, sobre ela recaindo o difícil ônus de provar a violência sofrida. Faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando de desequilíbrio processual. O peso probatório diferenciado se legitima pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, desenvolvida nesses moldes, como imparcial e de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade (art. 5º, inciso I, da Constituição Federal)."
O sistema trabalha re-vitimizando a mulher que denuncia a violência sexual, obrigando-a a repetir a história em mínimos detalhes centenas de vezes desde a delegacia até o final de um eventual julgamento. Por causa desse dispositivo, muitas desistem da denúncia no meio do caminho dado que é emocionalmente brutal reviver o trauma tantas vezes. Como isso pode mudar?
O trauma psicológico é fato. O acima citado protocolo de julgamento com perspectiva de gênero busca colaborar para minimizar esse impacto ao atribuir valor inquestionável à palavra da vítima e métodos vêm sendo estudados e analisados para implantação durante a apuração e julgamento visando minimizar essa re-vitimização.
Sobre o julgamento Daniel Alves
O julgamento de Daniel Alves terá duração de três dias, entre 5 e 7 de fevereiro, na 21ª seção da Audiência de Barcelona. O ex-jogador será julgado por três magistrados: Isabel Delgado Pérez (Presidente), Luis Belestá Segura e Pablo Díez Noval. Na segunda-feira (5), a audiência começa às 10h (horário local). É provável que nesse mesmo dia, ainda sem hora definida, Daniel Alves preste depoimento. É previsto serem ouvidas seis testemunhas no primeiro dia e 22 testemunhas no segundo dia. Na quarta (7), haverá a análise de dados periciais relativos ao caso, como exames médicos feitos pela denunciante, além de informações como o circuito interno de TV da discoteca. A data e o horário do depoimento da denunciante não serão anunciados, para evitar contato dela com meios de comunicação e outras pessoas envolvidas no caso. Os jornalistas poderão acompanhar da Sala de Imprensa sem utilizar áudios ou imagens. A acusação pediu pena máxima para Daniel Alves, que é a de 12 anos de reclusão.
Sobre o caso
No dia 30 de dezembro, segundo relatos publicados pela imprensa espanhol, a vítima foi convidada para entrar em uma área VIP de uma boate. No espaço reservado, a mulher conheceu Daniel Alves e os dois dançaram juntos. A denunciante relatou que o jogador "levou várias vezes a mão dela até seu pênis, e que ela retirou assustada". Depois disso, os dois teriam entrado em um banheiro, onde o crime teria ocorrido. A mulher teria tentado deixar o banheiro, mas foi impedida pelo agressor. De acordo com o relato, o jogador deixou o banheiro antes da vítima após ter penetrado de maneira violenta até ejacular. A mulher teria saído depois e contado o que aconteceu a uma amiga. Depois do ocorrido, a vítima teria ido imediatamente a um hospital para fazer exames. Dois dias depois, os resultados constataram DNA de Daniel Alves. A Justiça espanhola ordenou a prisão do atleta depois de ouvir depoimentos contraditórios do brasileiro. Ao longo da investigação, Daniel Alves apresentou diferentes versões sobre o caso. Na última delas, admitiu que teve relações sexuais com a acusadora, mas afirmou que isso aconteceu de forma consensual. O lateral trocou de representantes durante a investigação - o advogado que defendia o brasileiro alegou que o caso "estava perdido".
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