O futebol brasileiro precisa ser desneymarizado
O fracasso do Pré-Olímpico para o Brasil me incomodou demais, mas não pelos motivos óbvios: ficar fora dos jogos olímpicos. Eu realmente não ligo para a seleção masculina e não me importo que Paris deixe de ser destino.
O que me incomodou de fato foi ver tantos jovens extraordinariamente bons de bola, como Endrick, JK, Alexsander, Andrey etc, nas mãos da CBF e longe de seus clubes por tanto tempo.
Por que o incômodo?
Porque existe uma chance real e imediata de que muitos desses craques sigam o caminho de Neymar, um jogador absolutamente fora de série que se transformou em um homem de opiniões desprezíveis e comportamento infantilizado e em um profissional desinteressado que não demonstra apego pelas dimensões do comum que o futebol inaugura.
Ainda que nada garanta que a vida em seus clubes possa evitar que eles entrem em irreversível processo de neymarização, o fato é que sob a guarda da CBF as chances da rota entortar aumentam.
Os clubes, especialmente Palmeiras e Fluminense, têm preocupações legítimas com a saúde mental desses jovens, com o fato de eles serem elevados aceleradamente à categoria de ídolos, estando atentos a todas as dores e delícias que a idolatria traz. A CBF não tem nenhum interesse em assistir esses talentos para além do campo, protegendo-os dos perigos do estrelato precoce.
Vale citar aqui Endrick, que, no Palmeiras, recebeu ajuda do departamento de psicologia quando a fase não era boa e, na seleção, deu uma entrevista bizarra alegando que não precisa de ajuda psicológica porque seu psicólogo é Deus.
Como diz Casagrande, Neymar e tantos outros hoje são mais celebridades do que atletas.
Pessoas que se entendem como empresas e que, por essa régua, são extremamente bem sucedidas: bilionárias. Mas, por todas as demais métricas, as que realmente importam, poderiam ser consideradas fracassadas.
Neymar é a cara do futebol brasileiro atual. E é a cara da CBF.
É o que queremos ser? É como queremos que o mundo nos veja? São os valores que defendemos?
A neymarização à qual me refiro começa com o entendimento de que o jogo é um negócio e nada além disso. Passa pela certeza de que basta ser talentoso que a vida saberá recompensá-lo, o que não é absolutamente verdade. As pessoas mais talentosas que eu conheço são pobres e levam uma vida duríssima.
Passa também por um jeito moleque e negligente de levar a vida; homens que se recusam a crescer, que se negam a olhar para além dos próprios umbigos e de interesses muito pessoais.
Esses são os homens que hoje comandam o futebol brasileiro, com raríssimas exceções. Homens que demonstram total falta de engajamento com questões sociais e que vivem da simulação de uma realidade fútil e juvenil, embasbacados com o espelho quando não estão mordendo a virilha de seus próprios torcedores pelos corredores de luxuosos shopping centers.
Neymar é o mais bem acabado produto de um futebol que se tornou teatral no pior sentido do termo. De um futebol que fala de Deus e age diabolicamente. De homens que não amadureceram e se fecham num pacto covarde quando o assunto é violência de gênero. Homens que deixaram os campos e invadiram as cabines de transmissões para vomitar suas frouxidões para milhões. Homens que invertem todas as lógicas, que celebram estupradores, que colaboram para o apequenamento do jogo.
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Quero receberPrecisamos desneymarizar nosso futebol e um bom começo seria refundando a CBF como um todo. Repensar o jogo a partir de nossas brasilidades, essas que o professor Luiz Antonio Simas ensina que vivem nas frestas. Parar de imitar o que fazem na Europa e de importar a espetacularização que os Estados Unidos associam ao esporte. Resistir à força privatizadora que invade todas as áreas de nossas vidas. Salvar nosso futebol para que, desse modo, possamos oferecer, como alternativa, uma rota de fuga a essa brutal ordem social que nos assola.
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