Não xinguem Neymar por uma aberração que dessa vez não é culpa dele
Vamos imaginar uma situação: seu melhor amigo ou amiga comete um crime vergonhoso e vai preso. Antes do julgamento você fica sabendo que, se pagar, pode ajudar a diminuir a pena do seu querido ou da sua querida. Você é bilionário e esse dinheiro não vai fazer falta. Deixemos de lado os princípios que Neymar defende na vida. Não importa aqui. A pergunta que vale é: você pagaria?
Eu pagaria.
Esse é o sistema que nos organiza. Ele se chama capitalismo. Em sua versão tardia, neoliberalismo ou capitalismo financeiro. O mundo é dos que têm muito dinheiro. Você não tem? Esforce-se. A ideia perversamente vendida é a de que, quem se esforça, chega lá. Uma mentira cruel. As pessoas mais esforçadas que eu conheço são pobres e nunca deixarão de ser. As mais preguiçosas são imoralmente ricas.
Então, olhemos para esse sistema que permite que os muito ricos paguem para diminuir suas penas.
Sabe pelo que mais podemos pagar nesse maravilhoso sistema?
Aqui vai uma listinha.
- Um upgrade de cela: 82 dólares em Santa Ana, na Califórnia
- Acesso a car pool lane (uma faixa de tráfego na qual só podem circular veículos com mais de duas pessoas), mesmo dirigindo sozinho: 8 dólares
- O direito a imigrar para os EUA: 800 mil dólares
- O direito a caçar um rinoceronte preto: 150 mil
- O número de celular do seu medico: 1500 por ano
- A entrada de seu filho em uma universidade de prestígio (valores são mantidos em sigilo)
- Alugar a sua testa para propaganda pode render até 777 doletas
- Lutar por algum exercito privado dos EUA: milão por dia
- Ficar na fila no parlamento estadunidense para que um lobista possa chegar em cima da hora e entrar em uma sessão: 20 por hora
E o meu predileto:
- Comprar a apólice de seguro de vida de uma pessoa velha, pagar as mensalidades e ficar com o dinheiro depois que ela morrer. Uma indústria de 30 bilhões de dólares nos Estados Unidos.
Eu tirei essas informações do livro "O que o dinheiro não pode comprar", do professor de filosofia de Harvard Michael Sandel.
É ultrajante que ricos possam pagar para não ficarem tanto tempo assim presos? Me parece que sim. Mas xingar Neymar por uma coisa que você provavelmente também faria se tivesse a chance não me parece o caminho para mudarmos esse cenário.
Está putaço? Eu sugiro focar a ira no capitalismo, na ideia fictícia da meritocracia, na falta de taxação de grandes fortunas, na falta de taxação sobre lucro e dividendo, um desvio moral que só existe no Brasil e em outro país do leste europeu e uma graça alcançada pela administração do idolatrado Fernando Henrique Cardoso.
Lembrando sempre que os pilares do capitalismo são o racismo, o colonialismo e o patriarcado, dentro do qual pulsam vibrantes o machismo, a misoginia e a LGBTfobia. Revolte-se contra o sistema. Dessa vez, Neymar não está fazendo nada que você também, sendo um bilionário, não fizesse por um amigo.
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