Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Não adianta aumentar a pena de Dani Alves se ele não compreender o que fez

O noticiário diz que o MP Espanhol trabalhará para que Daniel Alves passe mais tempo em cana do que os 4 anos e meio sentenciados. Entendo a vontade de vermos a punição ser mais adequada à gravidade do crime. Entendo a reação de querermos que ele fique muitos e muitos anos privado de sua liberdade. São sentimentos demasiadamente humanos. Mas agora seria a hora de pensarmos em sair desse lugar em que nos metemos: um mundo que mata, estupra, abusa, assedia e violenta mulheres em ritmo de guerra e que acredita que nada disso é assim tão grave.

Eu preferiria ver Daniel Alves preso por menos tempo e ter a certeza de que ele sairá completamente reformado do que saber que ele passará 10 anos em cana e deixará a prisão se achando um injustiçado.

O sistema prisional não é, não deveria ser, apenas um organizador do nosso desejo de vingança. E muito menos depósito de gente. O sistema prisional deveria reformar, educar, humanizar.

Não há como a sociedade que produz Robinhos e Daniéis acreditar que ela não tem nada a ver com a monstruosidade de seus atos e que eles são muito diferentes do resto, são monstros, são aberrações. Esses homens são a regra, eles não são a exceção.

E eu sinto muito se você que é homem e lê essa linha se sente ofendido. Para você eu digo o seguinte: se você acredita estar desinfectado de machismo e misoginia, se tem certeza de nunca ter abusado de uma mulher, então não deveria se sentir ofendido. E, sendo um cara tão bacana, teria que tentar não fazer desse um assunto sobre você e suas qualidades que, na real, deveriam ser apenas a regra e não motivo de elogios e celebrações.

Eu, como pessoa branca, gosto de me implicar quando os movimentos negros falam "vocês brancos são assim e assado". Mesmo quando acho que não sou, tento me incluir porque fui criada, educada e construída para ser racista. Como posso dizer que não sou? Posso dizer que estou me esforçando para me deseducar do racismo que me foi introjetado. Posso dizer que estou buscando rever atitudes e linguagem. Posso me educar, ler, escutar. É o que posso fazer.

Vejam: todas as mulheres que conheço passaram por abusos. Todas. De todas as idades. Nenhum homem que eu conheço acredita ter abusado. A conta não fecha, percebem?

É preciso que essa sociedade trabalhe na educação contra o machismo e a misoginia. É preciso comunicar o que é abusar, assediar, estuprar, violentar. É preciso que os homens compreendam a gravidade do que fazem. O que vocês chamam de uma noite de farra a gente chama de morte.

Então, a menos que a justiça espanhola tenha um projeto de reforma para estupradores, debater dosimetria é como debater o sexo dos anjos. Vai afagar nossa sede punitiva enquanto uma de nós seguirá sendo estuprada - numa média absolutamente subestimada por causa do baixo índice de mulheres que conseguem denunciar - a cada oito minutos. Não vamos mudar a sociedade prendendo um estuprador por vez.

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Mais vale um estuprador reformado e disposto a entrar na luta por um mundo mais justo do que um homem confinado por uma década que sairá do sistema prisional se achando uma vítima e odiando ainda mais tudo o que diz respeito ao feminino.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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