Filho de Lula expõe a plasticidade do machismo e o feminismo de ocasião
As acusações de violência contra a mulher que recaem sobre Luis Claudio Lula da Silva são tristes, mas não chegam a surpreender dado que o machismo não tem ideologia: ele pulsa forte sem muita distinção em homens e em mulheres, porque é uma tecnologia de poder introjetada em todas e em todos nós desde o nascimento. Ideologicamente falando, seria bastante infantil acreditar que apenas centro, direita e extrema-direita - que a rigor são a mesmíssima coisa hoje no Brasil - estão infectados de machismo e de misoginia.
O presidente Lula, verdade seja dita, está na imensa categoria conhecida como esquerdo-macho: um homem que ainda não entendeu o porquê seria fundamental ter mais mulheres no STF ou na PGR. Um homem cercado de conselheiros que são outros homens, exatamente como ele. Um homem que não se acanha em expor suas ministras à linha de tiro do fisiologismo ou de trocar mulheres em situação de poder na mesma medida em que o Centrão pede mais espaço.
Lula, assim como outros esquerdo-machos, foi adestrado no feminismo, mas isso não o habilita a compreender o que é o feminismo. Ser adestrado é muito pouco. É preciso ser transformado. Falta bastante coisa ainda a Lula. A boa notícia é que ele é inteligente e interessado e pode seguir seu processo de aprendizado - ao contrário dos que se opõem a ele.
Aqui seria importante enfatizar que, se o machismo e a misoginia estão em todas e em todos nós, então estamos, todas e todos, em contínuo processo de educação a respeito de suas desumanidades e hostilidades e de como podemos nos livrar delas.
Sobre o filho de Lula, que alega inocência a respeito das acusações, o que podemos dizer até aqui é que existem, sim, acusações falsas de violência de gênero. Segundo as autoras Amia Srinivasan e Rebecca Solnit elas estão na ordem de 5%. Quem as faz? Majoritariamente, outros homens que acusam homens da prática desse tipo de crime. Quem acusa? Homens brancos. Quem eles acusam? Homens negros. Seria preciso fazer esses recortes para falar sobre denúncias de violência contra a mulher.
Uma mulher raramente pratica a falsa acusação porque, a partir da denúncia, é a vida dela que degringola. Mesmo se o denunciado virar réu, é para cima dela que vai à opinião pública. "Quer acabar com a vida dele", "faz isso por dinheiro", "podem ver o passado dela! Olha ali uma foto dela fazendo topless na praia em 1990". "Olha ela bebendo e dançando na balada. É vagabunda!".
É por causa dessa inversão narrativa que os dados sobre violência de gênero estão entre os mais subnotificadas do mundo.
Isso dito, temos que aguardar o devido processo legal que envolve Luis Claudio, tendo em mente que outros recortes devem ser feitos sobre esse tema: se o acusado é um homem rico e poderoso, é bastante raro que haja condenação. Se quem faz a denúncia é uma mulher rica e branca e o acusado é um homem negro e pobre, é bastante provável que haja condenação.
O machismo e a misoginia são preconceitos muito plásticos. Eles rastejam sorrateiros por entre nós. Passam da esquerda para a direita sem nenhum acanhamento. Ziguezagueiam para lá e para cá, mobilizando desde alguns dos caras considerados mais bacanas e atentos até os mais nojentos.
Tem muita gente surfando a onda feminista agora que acusações foram derramadas sobre o filho de Lula. Pessoas que não ligam para as mulheres e crianças exterminadas em Gaza. Que não acharam nada de mais quando a ministra do empoderamento feminino de Israel diz estar orgulhosa do massacre. Que não veem o machismo e a misoginia nas ações das polícias nas favelas. Que não se comovem com as lágrimas das mães negras das periferias que todos os dias enterram seus filhos vítimas do genocídio silencioso praticado no Brasil.
O feminismo de conveniência é bastante praticado, mas ele não é de fato feminismo; é apenas hipocrisia fantasiada de luta social.
As redes sociais deram vida a uma categoria de pessoas que gosta de se comportar como o crítico da ausência da crítica. Uma espécie de pauteiro sem redação. O ombudsman da página em branco. O sujeito que passa pelos dias cobrando os outros a falarem sobre o que ele acredita que a pessoa deva falar. "Falou do filho do Bolsonaro e agora se cala sobre o filho do Lula", cutucam os pauteiros sem redação.
O machismo é o terreno mais fértil que une esquerda e direita nesse país. Aqueles que cobram que nos manifestemos sobre tais e tais casos não estão preocupados com o preconceito nem com nossas vidas; estão ocupados em espezinhar o que acreditam ser uma contradição nas posições que tomamos. São os soldados dos apocalipses. Querem que mulheres se lasquem. Acham, no fundo, que se as acusações que recaem sobre o filho de Lula forem verdadeiras, então é porque a mulher aprontou alguma coisa. Mas isso não falam em voz alta. A voz alta esses alecrins-dourados-feministas-de-ocasião usam apenas para cobrar mulheres mesmo.
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