Milly Lacombe

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O pequeno Nova Iguaçu mostra como o futebol brasileiro reproduz o racismo

É fácil ver o racismo quando alguém berra "macaco" dentro do estádio. Mais difícil é ver o racismo quando o treinador de um dos finalistas do Cariocão, um homem negro, explica que não pode treinar times das séries A ou B do Brasileiro porque não tem a licença da CBF.

Carlos Vítor, vice-campeão carioca pelo pequenino Nova Iguaçu, não consegue a licença por causa dos altos custos do curso de formação da CBF. Soube da informação pelas redes sociais do jornalista Luan Araújo.

Vejam como o sistema é tinhoso. Parece que lutar contra o racismo é entrar em campo com camisetas que dizem "uma só pele", é pintar o cenário todo de preto, é fazer hashtags. Mas isso é teatro, isso não é manifestação antirracista. Se a CBF quisesse de fato lutar contra o racismo teria um projeto para formar treinadores negros, por exemplo.

Num país que passou quase 400 anos escravizando pessoas negras e que, ao acabar com a escravidão, jamais se preocupou com a ressocialização dessas pessoas, jamais pensou em políticas sociais que pudessem inseri-las na sociedade que as rejeitou, jamais aprovou sem espernear qualquer mínima ação afirmativa (basta lembrar das manifestações contra as políticas de cotas raciais) não podemos separar raça de classe. Essa é uma de nossas tragédias.

Então, a luta contra o racismo no futebol deveria olhar para o absurdo de termos uma maioria de jogadores negros e uma minoria de negros em posições de liderança nas comissões técnicas, entre os dirigentes, entre presidentes, nas redações etc etc etc. Dos 52 finalistas dos estaduais, apenas sete treinadores são negros, revela o Observatório do Racismo, do jornalista Marcelo Carvalho.

Carlos Vitor precisou fazer um milagre e chegar à final de um dos campeonatos profissionais mais disputados do Brasil para ser visto. Segundo informação do Observatório do Racismo, a CBF vai oferecer uma bolsa a Carlos Vitor. A notícia é excelente, sem dúvida, mas de bolsa em bolsa não vamos mudar o cenário. Seria preciso refundar as estruturas em suas bases, seria preciso criar políticas afirmativas e projetos de inclusão de curto, médio e longo prazo. Seria preciso encarar a questão de frente e não esperar que alguém produza um milagre para finalmente ser visto e, então, presenteado com uma bolsa.

De qualquer forma, vale reforçar um aspecto fundamental: foi preciso que um homem negro e nordestino chegasse à presidência da CBF para que o trabalho de pessoas como Marcelo Carvalho e de seu Observatório fosse levado em consideração: foi por causa desse trabalho que outras seis bolsas a treinadores negros já foram oferecidas pela CBF. É uma fresta que se abre, mas precisaríamos reconhecer que sem as frestas não podemos chegar a aberturas maiores; é pelas frestas que a luz começa a entrar. Espero que a CBF possa seguir se movendo em direção a um lugar de mais significado.

Quantos outros como Carlos Vitor esperam por uma chance? O futebol brasileiro perde muito ao não ser capaz de enxergar todos os seus talentos. Que a CBF comece a repensar todas as estruturas de suas políticas internas e possa ser refundada em novos termos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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