Gabigol e a dimensão de tragédia que só a história de heróis alcança
Em 2021 um amigo flamenguista que viu Zico jogar me disse que Gabriel Barbosa estava a caminho de se tornar o segundo maior ídolo do clube. Meu amigo, que entende desse riscado e da boleiragem, dizia que, para a garotada, Gabriel já era maior do que Zico. E então, depois de 2021, veio 2022 e 2023. Parece uma obviedade cronológica, mas para quem quiser contar a história de Gabriel Barbosa no Flamengo, essa ordenação dos anos é apenas caos.
Gabriel se lambuzou na fama e na glória que ele julgou já ser eterna, o que é demasiadamente humano. Documentário em streaming, bandeirão no estádio, frenesi nas ruas. Amigão de Neymar, Gabigol seguiu no passinho pela calçada da fama que tinha pavimentado. O corpo mais bombado demonstrava suas prioridades? Talvez. Hoje o futebol deixa os atletas - e os árbitros - muito fortões então tudo aqui é especulação. Mas, a julgar pelo que ele deixou de correr, de chutar e de finalizar, podemos ter uma ideia mais aproximada.
Gabigol não se deu especialmente bem com os treinadores que passaram pelo Flamengo depois de JJ mas não poderia imaginar a peça que a vida estava prestes a pregar. Depois de não ser convocado por Tite para a Copa do Mundo de 2022, Gabriel foi celebrar um dos títulos do Flamengo e, do alto do carro de som, achou de bom tom mandar Tite para aquele lugar.
Corta para 2023. Tite chega ao Flamengo como treinador. Fazer o quê? É a vida capotando. Gabriel fixou-se robustamente no banco de reservas com cara de poucos amigos.
E aí teve o lance do exame anti-doping. Gabriel foi punido e teve que se afastar das competições e do Flamengo.
O herói está treinando em casa, longe do clube que ele aprendeu a amar, longe da torcida que segue devota a ele, longe dos holofotes. Pouco se fala de Gabigol hoje. No Flamengo, a fila andou. Arrascaeta segue heroi. Pedro se firma na artilharia. De La Cruz abre uma fresta na porta da idolatria. Gerson, BH, Ayrton, Cebolinha... tem gente graúda em busca da glória eterna.
Poderia ter sido essa uma história completamente diferente? Gabigol, desde 2019, o grande ídolo, o grande artilheiro, o grande atleta, o grande flamenguista, o cara depois de Zico? Poderia. Mas a vida não segue esse roteiro tão ordenado e comporta dimensões de tragédia.
Por agora, a história está em seu momento mais dramático. Mas o que ainda pode acontecer? A magia da volta por cima - sempre.
E aí a jornada do herói se completa. Gabriel Barbosa compreende seus erros, para de culpar os outros, volta a treinar com paixão, deixa as tentações da vida para lá, recupera o talento que ainda tem de sobra e, quando estiver liberado, volta para seu palco: o campo de futebol. Gabriel volta a jogar bem, a conquistar taças, a ser o ídolo que nasceu para ser.
A história do esporte está repleta de voltas por cima. O mais difícil Gabriel já fez: sobreviver nesse Brasil violento que mata seus jovens periféricos como se mata apenas numa guerra, passar pelas peneiras, ter seu talento reconhecido, vestir a camisa de clubes como Santos e Flamengo, encantar o mundo. Para quem fez tanto, voltar do inferno particular em que se meteu voluntariamente não parece nada impossível.
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