Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Entre o sagrado e o profano, o Fluminense de Diniz pulsa

Ganso fez o primeiro gol de cabeça para o Fluminense quase na pequena área e observado pelos dois zagueiros do Vasco. Zagueiros-zagueiros, diga-se. Não eram volantes improvisados, é o que quero dizer. Eram zagueiros assim formados. E se fosse na defesa do Fluminense? O que diriam? Deve ser o terceiro gol de cabeça na carreira do Ganso, uma raridade. Mas nada dirão sobre os zagueiros-zagueiros do Vasco falharem. O tema vai voltar apenas quando o Fluminense levar um gol tendo na zaga um volante, seja Felipe Melo, André ou Martinelli.

Na sequência, um zagueiro-zagueiro tricolor, Manoel, esqueceu de colocar as mãos para trás e a bola bateu em seu braço dentro da área. O juiz não viu pênalti, mas ele bem poderia ter interpretado de um outro jeito e marcado a infração. E se fosse o Felipe Melo a falhar assim, o que diriam?

Aos três minutos do segundo tempo, o Fluminense atravessa uma bola estranha na defesa e um zagueiro-zagueiro, Manoel outra vez, não consegue chegar (Manoel fez uma bela partida, é bom registrar). Fabio se virou numa defezaça. Vale observar que nesse momento o Fluminense tinha dois zagueiros-zagueiros em campo.

Logo depois de abrir dois a zero o Fluminense leva um gol de cabeça tendo dois zagueiros-zagueiros marcando o atacante. E aí, Brasil?

Tudo isso digo para tentar mostrar como o debate sobre as experimentações de Fernando Diniz pode induzir a uma espécie de limitação da análise tática, a um empobrecimento da discussão. Assim como a repetitiva crítica ao modo como o time escolhe sair jogando na toquêra desde a sua área. Quando dá errado, chovem as críticas no tom "eu avisei". Quando dá certo, silêncio. E dá muito mais certo do que errado, ainda que os erros façam mais barulho.

O Fluminense vive uma de suas fases mais gloriosas - um bi-campeonato Carioca depois de algumas décadas e a tão sonhada Libertadores. Esse ano já levantou uma taça, a da Recopa - outra inédita. Mas, a julgar pela fúria das análises, parece que o time está numa crise profunda e sem perspectivas. A torcida comprou a narrativa e sumiu. Não me parece certo que assim seja.

Verdade, o momento é de baixa. O time oscila e não encaixa. Mas não é tudo natural? A conquista da Libertadores e da Recopa, a saída do zagueiro que era uma das espinhas do time, o fato de administrar emocionalmente o imenso sucesso e o que fazer com tanto sentimento, a reconstrução do time com a chegada de muita gente.

Cada vez mais, exigimos apenas a vitória. Nada além dela pode valer. A torcida já reclama e há quem cogite a saída de Diniz. Me parece tudo bastante absurdo, mas não é nessa sociedade a cada dia mais imediatista que fetichiza coisas obsoletas e só consegue gozar na vitória eterna.

Flu e Vasco fizeram um jogo com cara de clássico: disputado, pegado, emocionante. O Fluminense fez o que fez durante 2023: criou, se movimentou, tocou e deu espaço para o adversário. Gostem ou não, isso é o Dinizismo que conquistou a América.

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O Vasco foi o guerreiro que tem sido: cruza, briga, sua. Um time que busca os lados do campo para meter a bola na cabeça de seu goleador. Melhorou muito no segundo tempo quando arrumou o lado esquerdo e depois que Marcelo, que foi o destaque do primeiro tempo, cansou. O Fluminense recuou e optou pelo contra-ataque. Nesse contexto de jogo aberto e emocionante, Fabio e Leo Jardim brilharam.

Para quem viu o jogo fica claro que o Fluminense tem mais recursos e mais beleza na forma de jogar. Não conta, dizem muitos. Bem, conta para mim. É bastante coisa que exista um time que tente se organizar em campo como faz o Fluminense de Diniz. Haverá vitórias e derrotas pelo caminho. Haverá volantes na zaga, laterais no meio, atacantes na defesa. É um time que não exige ter o controle, muito pelo contrário. Muitas vezes, é no descontrole que o melhor acontece.

O professor Luiz Antonio Simas escreve que o contrário da vida não é a morte, mas o desencanto. É fácil ver como muitos dos times que a gente vê em campo estão desencantados. Não o Fluminense. O Fluminense é encantado. Quando vence e, muitas vezes, quando perde. Seria preciso reconhecer que aquilo que dá certo no Dizinismo é também aquilo que ele tem de mais vulnerável. Espante os demônios e leve com eles os anjos, certo? Porque a vida é essa dualidade mesmo, entre um e outro. Por isso o Fluminense de Diniz faz com que eu me sinta viva.

Nesse sábado, o Fluminense e seu modo de jogar ganharam do Vasco no Maracanã por 2x1.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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