Dez passos para pulverizar uma idolatria
Se nada mais der certo na vida, Gabriel Barbosa pode lançar um livro sobre como pulverizar uma idolatria. Trata-se de uma história, como todas as boas histórias, cheias de pontos altos e de quedas. Uma história que, a bem da verdade, não acabou mas que está agora em outro ponto dramático.
Os caminhos escolhidos para destruir tanto amor me parecem bastante claros, resta saber se Gabriel os enxergou. Vejam: é uma jornada absolutamente singular a de Gabriel no Flamengo.
O ponto mais alto, até aqui, é o milagre do Monumental em Lima, no Peru.
Gabriel saiu dali nos braços da massa. Tinha tudo nas mãos para ser o segundo maior depois de Zico. Bastava seguir na trilha: treinar, se dedicar, deixar a alma em campo, cuidar do corpo que é seu instrumento de trabalho, resistir à egolatria que vem com o estrelato, dormir cedo, comer direito etc etc etc. Um caminho rígido, verdade, mas um caminho que faria com que ele mantivesse a idolatria, e até a aumentasse. A nação rubro-negra amava amá-lo. Todos queremos ídolos assim, essa é a verdade. Um pouco de marra, um tanto de garra, excesso de talento.
Mas não. Ele quis seguir por outras vias. E tem agora um passo a passo de como destruir uma sólida idolatria. Vamos a ele.
Primeiro: acredite honestamente que você é maior do que a camisa que veste e acelere nessa ideia. Se fizer isso, os resultados virão mais cedo do que tarde. Nenhum torcedor ou torcedora suporta a imagem do ídolo que começa a acreditar ser maior do que o clube.
Segundo: Promova um festão logo depois de eliminação dolorida em torneio importante. Não recue da festa nem mesmo diante da dor coletiva dos seus. Cante e dance enquanto a torcida sofre.
Terceiro: Acredite que coisas como baladas e treinos podem ser perfeitamente combinadas. Confie em seu capital de idolatria e liberte-se do rigor do dia a dia de um atleta.
Quarto: Quando o banco de reservas chegar a ser a sua realidade, dada as escolhas de vida tomadas se guiando pela crença de ser ídolo eterno, faça pirraça: fique no banco de chinelos, sem a camisa de jogo, com cara de deboche.
Quinto: Quando tudo começar a desabar, com você se fixando no bando de reservas, tente lamber a torcida indo para a beira do campo berrar como se o Flamengo fosse a sua pele e você apenas mais um torcedor à beira do campo. O teatro de mau gosto vai piorar a situação, ainda que, por um curto período de tempo, pareça o contrário. Não se apresse. O rebote de atuação tão deprimente virá.
Sexto: Quando o pessoal do antidoping chegar de repente, faça um showzinho particular. Afinal, você é você e eles que esperem pelo seu sagrado pipi.
Sétimo: Poste coisas desconexas nas redes sociais, sugerindo estar em igualdade de idolatria com o maior símbolo do clube, mostrando a Bíblia, uma cruz e outras coisas sem sentido agregado. Se não pode mais convencer, confunda.
Oitavo: Acredite que a torcida é feita de otários e manés e que apenas você é esperto. Eles jamais perceberão seus métodos e interesses e seguirão te amando até o fim dos tempos.
Nono: Aceite a camisa mais pesada do clube, uma das mais pesadas do mundo, achando que basta vestir e a magia acontecerá sem perceber que é o oposto: com ela, terá que se esforçar e se dedicar ainda mais. A camisa que um dia foi de Zico carrega com ela mistérios e também exigências morais que, uma vez desrespeitadas, darão um jeito de despir o afrontoso de fantasias e afetações. Não se brinca com esse tipo de mistério.
Décimo: Se ainda assim você tiver conseguido manter a idolatria, se apesar de tantos deslizes a torcida ainda levar a bandeira com seu rosto para o arquibancada e gritar seu nome ao vê-lo pisar em campo, então resta um último recurso: faça uma festinha em casa e vista a camisa de outro clube. Se a imagem vazar, o objetivo terá sido finalmente alcançado e a idolatria, antes tão sólida, terá virado ruína.
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