Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Final da Champions mostra a diferença entre o futebol feminino e masculino

Qualquer pessoa que tenha visto o jogo entre Lyon e Barcelona em Bilbao, final da Champions League 2024, sabe que qualidade de jogo não é exatamente o que separa o futebol feminino do masculino. Durante algum tempo poderíamos dizer que a diferença técnica entre o que faziam homens e mulheres em campo era razoável. Ainda que completamente explicável: um deles recebe incentivos e dinheiro há mais de 100 anos; o outro foi regulamentado há pouco tempo, nunca teve incentivo financeiro e ainda é marginalizado. Apesar dos pesares, a mulherada chegou lá em técnica e nem o mais preconceituoso marmanjo pode negar essa verdade.

Mas tem sim uma coisa que separa o futebol masculino do feminino. É o sentimento de união, de solidariedade, de classe. Mulheres sabem que não estariam onde estão não fosse a luta de uma coletividade. Homens tendem a acreditar que o futebol masculino segue uma espécie de ordem divina, que é uma coisa natural, que sempre foi assim porque a vida é essa mesma: o mundo é deles.

Quando vemos um estádio lotado como vimos o de hoje em Blbao a gente compreende as dimensões de pertencer a um grupo que luta junto há séculos. Para muitas de nós lutar é apenas sobreviver. Para muitas de nós, vencer é apenas seguir existindo mesmo com tantas cicatrizes ainda sangrando. Para outras a luta se dá no front mesmo: é com faixas, bandeiras, berros, manifestações e protestos.

Lyon e Barcelona são duas seleções: reunem uma quantidade enorme de jogadoras fora-de-série. França e Espanha fazem trabalhos bastante sólidos no futebol feminino e os resultados estão aí. Na arquibancada, muitas mulheres e crianças, mas também muitos homens. Quem assistiu à partida viu um jogo limpo, quase sem faltas, quase sem interrupções, sem lenga-lenga, sem grandes reclamações, sem chiliques com o juiz, sem histerismos. Respeito completo a essa instituição chamada futebol. Para todas nós, que lutamos bravamente para chegar nesse lugar, o respeito ao esporte é apenas uma forma de homenagearmos umas às outras.

Embora haja vencedoras e perdedoras, e ainda que a derrota entristeça e machuque, sabemos que tem coisas maiores acontecendo quando dois times femininos reúnem 60 mil pessoas em um estádio - e esse sentimento de conquista fica com a gente mesmo depois de perdermos um jogo. Um dia nos disseram que esse esporte não era pra gente. Um dia nos proibiram de jogar. Um dia nos ridicularizaram por amar o jogo. Um dia explicaram pacientemente que o corpo de uma mulher era para parir não para driblar, correr, marcar ou chutar. Recolham-se aos lares, eles disseram.

Mas nós não escutamos.

Em Bilbao, como sempre acontece em jogos cheios, quando o placar anuncia o público o estádio inteiro aplaude. Cinquenta e uma mil pessoas, avisou a voz pelo sistema de som do estádio aos 25 minutos do segundo tempo. As torcidas rivais então vibraram juntas. É bonito de ver. Não tem nada mais comovente do que esse tipo de união e de compreensão. Qual o sentido de estarmos aqui se não for para conquistarmos juntas; uma pela outra; uma para a outra. Mulheres vivas, mulheres mortas e mulheres que ainda não nasceram. Nossas mães, avós, bisavós, tataravós. Nossas filhas, netas, bisnetas.

Dessa vez, deu Barça. Dois a zero. Mas, com o perdão do clichê, tanto faz de verdade. Cada uma de nós sabe perfeitamente que nesse 25 de maio de 2024, dentro de um templo lotado e vibrante, todas vencemos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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