Fluminense constrói atalho entre céu e inferno
Dois mil e vinte e quatro veio depois de 2023. Parece uma constatação óbvia, mas para a história do Fluminense representa o trajeto entre céu e inferno. O que fez o time despencar das nuvens de forma tão repentina?
Bem, temos sempre a hipótese da ruína que o sucesso oferece. Conquistar o topo é difícil, mas se manter nele é ainda mais. Vaidades afloram e a sensação de dever cumprido pode levar ao relaxamento. Por isso o trabalho de Abel Ferreira no Palmeiras é tão espetacular. Gabriel Barbosa, por exemplo, foi incapaz de permanecer no topo e se deixou levar pela crença de que 2019 o cristalizaria na crista da onda. O Fluminense parece ter sido arrebatado por 2023. Vai precisar compreender que escalar uma montanha é conseguir, lá de cima, ver outras montanhas que devem ser escaladas. De onde tirará sabedoria e capacidade para começar a caminhada?
Depois, tem o fato de Fernando Diniz e de seu elenco terem interrompido a lua de mel. Diniz já perdeu o grupo uma vez, e, por isso, conhece bem esse atalho entre céu e inferno. Seu São Paulo teria sido campeão brasileiro não fosse a treta pública e constrangedora com Tchê Tchê e a consequente perda de confiança do elenco.
Marcelo ontem teve uma reação estranha ao ser substituído. Falou meio sem vontade com Diniz à beira do gramado, ficou uns minutos no banco e foi para o vestiário bem antes do final do jogo. Ganso fez o gol e foi abraçar Diniz, mas na partida contra o Botafogo, quando Diniz falava com ele em campo, Ganso respondia com o tradicional gesto da troca como quem diz "quero sair". Diniz perdeu o grupo? Pode ser. E, se for esse o caso, a questão é bastante complicada porque estamos lidando com traumas.
O que sabemos como fato é que o time está emocionalmente destruído. Guga e Felipe Melo deram espetáculos de delinquência fora de campo. Dentro, gols inexplicáveis perdidos e divididas nível futebol escolar, como foi a de Marlon que resultou no segundo gol do Atlético-GO.
Sabemos também que o Dinizismo, que tantas paixões move, já mostrou que pode chegar lá a despeito de suas vulnerabilidades. Acontece que nem Dinizismo vemos mais em campo. Taticamente o time é hoje uma bagunça. O Dinizismo foi embora e não sabemos se volta.
A torcida abriu mão da paciência e começou a cantar "time sem vergonha". Torcida tem o sagrado direito de se manifestar desde que a manifestação não carregue preconceitos. Ainda assim eu acho duro e cruel que o mesmo time que há pouco tempo deu a ela a Libertadores seja chamado de sem vergonha depois de cinco meses. Verdade, o elenco parece dormente, displicente, desmotivado. Mas as vaias durante a partida servem só para piorar o que já está ruim. Não existe um reservatório de gratidão? Um residual de respeito? São perguntas honestas para as quais não existem respostas simples.
O Fluminense tem um mês para renascer antes de enfrentar o Grêmio pela Libertadores. O Brasileiro agora virou uma corrida para não ser rebaixado e o ano está concentrado nas copas. Conseguirá esse time cantar "ali onde eu chorei qualquer um chorava; dar a voltar por cima que eu dei quero ver quem dava"?
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