Milly Lacombe

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Homossexualidade e futebol masculino: uma história secreta

Foi num 28 de junho, há algumas décadas, que a comunidade gay de Nova York disse chega. Dentro de um dos bares que ela frequentava, recebendo mais uma batida policial que pretendia prender quem ali estivesse, os homossexuais presentes a boate Stonewall decidiram que, naquele dia, lutariam contra a polícia moral. Eram as primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1969, e a batalha foi televisionada.

Por causa da coragem de alguns membros da comunidade LGBTQ, foi num 28 de junho que o movimento pela emancipação ganhou repercussão - e apoio - nacional. A linha de frente dessa batalha foi composta pelas bichas mais afeminadas e pelas sapatões mais masculinizadas, justamente esses grupos que sofrem preconceitos mais fortes e nocivos.

Desde então, o 28 de junho virou uma data mundial na qual se celebram a liberdade e a justiça. Muito foi conquistado desde então, mas um tanto ainda está em disputa.

O futebol masculino aparece sempre como uma das últimas fronteiras. Nele, LGBTfobia e misoginia se beijam ardentemente. Claro que existem muitos jogadores gays e bissexuais. Isso não se discute. Eles estão aí, entrando em campo semanalmente. Esses homens apenas não podem dizer quem são porque seriam vítima da fúria da masculinidade tóxica. Uma fúria tão infantil e frágil que é incapaz de usar a camisa 24 porque, no jogo do bicho, ela representa - ora, ora - o veado. Que tipo de insegurança faz homens agirem assim? Que medo os ronda?

O futebol feminino acolhe suas atletas lésbicas, como sabemos. Claro que elas recebem comentários lesbofóbicos, como aconteceu recentemente com as espanholas Jenni Hermoso e Misa Rodriguez, que postaram uma foto que sugeria que estavam enamoradas. Mas as mulheres conseguem se assumir e bancar seus desejos.

E os machos?

Bem, aí a coisa complica.

Homem que é homem não se deixa atravessar ou penetrar. Homem que é homem não faz nada que seja minimamente parecido com o que faz uma mulher. Homem que é homem se forma em oposição ao que é ser mulher.

Percebem a crueldade disso?

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Primeiro, homens não podem quebrar. Não podem chorar, se mostrar vulneráveis, se sentir fragilizados. Endireita essa coluna aí e mostre para o mundo que você é uma fortaleza.

Onde os homens vão descarregar suas fragilidades se a eles não é permitido ser frágil? No abuso do álcool e de outras drogas e no corpo de uma mulher.

Se ser mulher é uma coisa tão inferior a ponto de você ser encorajado a se constituir em oposição a tudo o que é feminino, então alguns homens se sentem autorizados a fazer o que bem entenderem com esses seres tão menores do que eles: silenciar, interromper, assediar, abusar, estuprar, matar.

O futebol masculino talvez seja o último reduto da emancipação da luta LGBTQ. É por isso que qualquer movimento feito nessa direção dentro desse campo é bem vindo e necessário. CBF e clubes precisam se educar e educar seus atletas, comissões, funcionários. Educação é um processo e não apenas fazer postagens fofinhas em dias específicos. Educação é letramento, é ação, é atitude. E acontece um dia depois do outro, todos os dias.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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