Milly Lacombe

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Mulheres, envelheçam

Quem pegou a referência do título talvez já não seja exatamente uma pessoa tão jovem. Empresto a lógica de Nelson Rodrigues que, há mais de 50 anos, disse: "Jovens, envelheçam".

Mas meus motivos são outros. Nelson recomendava o envelhecimento contra o que ele indicava que era uma espécie de pressa burra característica da juventude. A imaturidade - e as estagiárias da PUC - o irritavam em demasia.

O caso aqui é outro.

Envelhecer, para uma mulher nessa sociedade moderna e ocidental, é uma espécie de pecado. Em muitos casos o recado dado é o de que seria melhor que morrêssemos antes de fazer a curva. Mulheres não deveriam envelhecer porque seu capital simbólico está em ser jovem, magra e fértil. E, claro, de preferência, branca. Uma espécie de mulher ideal platônica cujas medidas e características todas devemos perseguir. Assumindo, nesse trajeto, os riscos necessários que incluem adoecer e morrer.

Crescemos com esse recado sendo jogado na nossa cara todos os dias - e "todos os dias" não é aqui figura de linguagem.

O toque de crueldade é que esse ideal platônico foi criado pelos homens, que não precisam perseguir nada além dessa exata mulher. Não é ensinado que ideais de beleza não deveriam existir e que cada cultura cria os seus. Naomi Wolf, em O Mito da Beleza, ensina que o povo padung, por exemplo, aprecia seios caídos. Seios caem - a menos que morramos ou gastemos dinheiro para levantá-los. Sacos escrotais também caem. Uma rápida passada pela praia de Copacabana numa manhã de quarta feira onde homens com mais de 50 anos se entregam a esportes variados em suas sungas poderá comprovar. Caem e caem forte. Mas sacos podem cair. Já seios, não.

Para uma mulher, envelhecer é destino a ser temido. Contra o envelhecimento uma indústria inteira foi formada e não pára de crescer.

A tinta usada para pintar o cabelo e evitar que ele fique grisalho contém muitas toxinas, mas não falamos sobre isso. A aplicação faz o couro cabeludo arder e coçar, mas o sacrifício é parte de ser mulher. O botox evita que a informação nervosa chegue aos músculos, paralisando a musculatura. Ele é feito de toxina botulínica, proteína produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Essa é a bactéria que causa o botulismo, uma doença mortal que paralisa o corpo todo. Faz uma aplicação aí e não pensa nisso.

Toda mulher quando começa a enxergar rugas e flacidez também começa a se julgar de modo ainda mais paranoico. Uma paranoia introjetada em nossas almas. Às que têm dinheiro, correm para os consultórios. As que não têm passam a fugir do espelho.

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Envelhecer é cruel para uma mulher.

William Bonner está à frente do Jornal Nacional desde 1996. Ao lado dele já se sentaram algumas mulheres, substituídas por uma enorme coincidência, ao começarem a envelhecer. Bonner, cada dia mais grisalho, é também considerado mais charmoso a cada ano. É assim o audiovisual, é assim a sociedade, é assim a vida para uma mulher.

Envelhecer nos diz: chega. Agora acabou pra você. Olha a novinha vindo aí. Retire-se.

Sobre menopausa não se fala. Perguntei para minha mãe como foi a dela e ela não sabia me dizer. Se homem entrasse na menopausa saberíamos tudo sobre esse profundo e intenso portal. Mas, nessa sociedade, pouco importa e nós que passemos por isso por contra própria.

A virada dos 40 para os 50 é um marco na vida de todas as mulheres cisgênero. É quando o envelhecimento acelera, a menopausa bate mais forte, a ideia de que estamos perdendo tudo aquilo que a sociedade chama de valor e de riqueza para mulheres fica palpável. Se não estivermos atentas, podemos descambar mentalmente e aceitar que acabou

Eu gostaria de dizer às meninas e às jovens mulheres que nada poderia ser menos verdadeiro. De fato, a menopausa não é um passeio no parque, mas ela traz benefícios. Envelhecer, aliás, é de muita utilidade. Primeiro, se estamos envelhecendo então tudo indica que ainda não morremos - e isso deveria ser apenas bom. Depois, escapar do campo de atenção erótico dos homens, das cantadas baratas, deixar de ser foco de atenção desse tipo de olhar é libertador e emancipador. E, passando por essa vida como lésbica, tenho a sorte de ser desejada por motivos outros que não a minha juventude. Ser sapatão é tudo de bom, mas sobre isso falaremos oportunamente.

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Saber que cada uma de nossas rugas fazem parte da história que estamos escrevendo ajuda a lidar com elas. Cada vinco em minha pele é marca da luta que sigo lutando para existir com dignidade, ser respeitada, ser considerada enquanto sujeito. Cansa, verdade. Ficamos exaustas, verdade. Nossos olhares indicam, verdade. Mas existe uma dignidade única que vem com o fato de usarmos nosso privilégio e nosso tempo para tentar construir um mundo melhor.

As privilegiadas podem encontrar na alimentação, no exercício e no descanso ótimas saídas para envelhecerem com saúde e disposição. Seria apenas justo que vivêssemos numa sociedade que oferecesse isso a todas.

Encarar a finitude é missão complexa para homens e mulheres. Mas só as mulheres precisam administrar no seu cotidiano a violência de fazer parte de uma sociedade que regula e cobra tanto de nossos corpos. Nunca se esqueçam que envelhecer é privilégio, que envelhecer com dignidade é conquista e que batalhar para que todas as mulheres tenham esse direito é uma missão.

Jovens, não tenham medo. Minhas rugas dizem quem eu sou. Meus vincos mostram os caminhos que percorri. Meus cabelos brancos revelam as batalhas que perdi e as que venci. Nós somos as nossas histórias - e somos gigantes por causa delas. Envelhecer, no fim das contas e tirando as dores no joelho, é bacana demais. Não tenho nada a esconder nem nada do que me envergonhar. Hoje completo 57 anos e celebro a menina, a adolescente, a jovem e a mulher que existem em mim. Cada dia mais bruxa, cada dia mais segura, cada dia mais inteira.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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