Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

A história da comunista que se apaixonou pela banqueira

Gosto muito de um ditado que diz: os fados convidam a dançar aqueles que estão prontos. Os que não estão prontos, eles arrastam. Gosto desse ditado porque ele fala sobre as mudanças em nossas vidas. Fala das suaves, daquelas que nós mesmos iniciamos, e fala das repentinas, das mais dramáticas, daquelas que nos pegam mesmo quando não estamos prontos, não achávamos que precisávamos, não tínhamos planejado ou sequer queríamos.

Acho que Leila Pereira sempre acreditou na primeira parte desse ditado, mas talvez não na segunda.

Mulher objetiva, empresária treinada para pensar em custos e benefícios, ser humano prático, frio e calculista. Como se exige das tarefas empresariais. Por ter essas qualidades bem marcadas e por fazer parte dessa pequena parcela da população que pode ser chamada de bilionária, Leila Pereira conseguiu seguir por suas trilhas sem se preocupar muito com os tais fados que arrastam.

Até se transformar na presidente do clube mais vitorioso do Brasil, alguma coisa me diz que ela não prestava sequer muita atenção nesses balanços da vida.

Treinada para ser líder mesmo entre homens, Leila Pereira não sabia que o rolê do futebol era diferente e que novas formas de machismo e de misoginia se fariam presentes em sua vida. Formas tão violentas e brutais que dessa vez seria difícil manter o discurso neoliberal do "somos todos iguais e quem se esforça consegue".

De cara, Leila acreditou que poderia usar de seus bem sucedidos métodos empresariais para liderar um clube de futebol. E não demorou para perceber que, nesse meio, suas práticas e costumes não resolveriam. Entre poderosos empresários engravatados, o machismo e a misoginia comem de garfo e faca, dão "bom dia", "boa tarde" e "boa noite" e fica fácil fingir que esses preconceitos não existem. Mas no futebol a carruagem não anda, ela capota.

Leila, que a princípio tentou diálogo com os núcleos mais duros das organizadas, compreendeu que seguir por esse caminho a destruiria. Depois, teve que usar de recursos inéditos para colocar ordem no zigue-zague de empresários e agentes pelo interior da academia. Se não fosse uma mulher de rápida percepção e bastante ágil, o machismo teria feito com que muitos desses executivos acreditassem que, com uma mulher no comando, o clube agora era deles.

A solidão que sentiu talvez tenha sido inédita em sua vida.

Posso apenas imaginar que tipo de liderança leva o clube ao posto máximo da eficiência e da competitividade para receber xingamentos, ofensas e ameaças de morte de sua própria torcida. Que tipo de sofrimento vem com o fato de você saber que está realizando uma administração responsável e vitoriosa e escutar o estádio lotado com torcedores do clube que você comanda entoarem o canto de "bruxa".

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Só Leila Pereira sabe o que fez para não cair e para dar sua volta por cima de forma exuberante. Só ela sabe como foi fundo nessa solidão. O fato é que, em algum momento da travessia, ela percebeu que os problemas que enfrenta em sua sala de temperatura amena são os mesmos que as demais mulheres enfrentam nos quentes chãos de fábrica da vida.

As opressões pelas quais ela passa têm paralelo com as opressões pelas quais passam as mulheres que fazem parte do time da limpeza da academia, as repórteres que tentam entrevistá-la, as gerentes de suas empresas, as trabalhadoras domésticas de suas residências. Leila foi arrebatada pelo fado que o feminismo toca. E, uma vez capaz de ouvir os acordes, não há mais como recuar.

Eu me encantei com Leila Pereira quando vi em seus olhos que ela tinha sido afetada. Nessa hora, tudo o que nos separava desapareceu sob meus pés. Só mesmo o feminismo para unir uma comunista à presidente de um banco e também do clube rival. O feminismo, como diz minha amiga tricolor Bruna Bopp, é bizarro.

Leila Pereira chegou nessa luta faz pouco tempo e está, como todas nós, aprendendo a cada passo do caminho. O que ela tem de diferente é uma incrível capacidade de assimilar com agilidade impressionante novas informações e então, usando seus poderes de pessoa bilionária em situação de poder, colocar em prática novas ações. É uma grande vantagem termos aliadas em contexto de tanto poder.

Desde que olhou em nossos olhos e compreendeu o tamanho dessa luta, Leila arregaçou suas mangas. Ninguém me contou. Eu vi. Eu estava na coletiva só para mulheres em que pude enxergar Leila escutando os primeiros acordes dos fados. Eu testemunhei o momento em que eles entraram por sua pele e tocaram sua alma. Eu não tenho nenhuma dúvida do que estou dizendo.

Desde então, desde que foi arrebatada pelos fados, Leila ficou ainda mais forte. Segura, determinada, corajosa, ela hoje desestabiliza o investimento de libido de um país inteiro. É dela que rivais falam com inveja. É por ela que palmeirenses olham já sem tanto preconceito. O estádio engoliu os cantos misóginos e é capaz de aplaudi-la. Rivais reconhecem que ela é exemplo. Leila está só começando, eu gostaria de avisar. E não tem nada mais erótico e poderoso do que uma mulher confiante e disposta a mudar o mundo - começando pelo futebol.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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